“A gente não quer só comida…”

Vivemos neste momento uma inédita quarentena forçada, imposta pela contingência das incertezas que ainda assombram os técnicos, estudiosos, cientistas e políticos de todo o mundo sobre a melhor forma de enfrentar o risco de contaminação genera­lizada pelo novo Coronavírus (COVID-19). Excesso de precau­ção para alguns, medida ainda insuficiente para outros, enfim o futuro é que vai nos dizer quem tem razão, assim como a história é que vai julgar, como sempre faz, a conduta das pessoas que tiveram a ingrata missão de nos conduzir em meio à tempestade neste momento. Para além disso, uma coisa é certa: A QUARENTENA É CHATA. Muito chata. Não fomos feitos para ficar trancados dentro de casa. Ficamos indóceis. Ansiosos. Por vezes até revoltados. E com a necessidade de socializar.

Todavia, um dos aspectos positivos que parece ter advindo desse momento – e tudo sempre tem um lado bom – é a ressignificação do sentido e da importância que a cultura tem em nossas vidas, do papel que ela representa no nosso dia a dia, mesmo que no mais das vezes não nos demos conta disso conscientemente. Muito antes da pande­mia o poeta Ferreira Gullar já havia sentenciado que “A ARTE EXISTE PORQUE A VIDA NÃO BASTA”. E com razão, afinal nada melhor para vencer a chatice da quarentena do que ver um filme, ler um livro ou ouvir uma música.

Mas a cultura vai muito além das formas mais prosaicas de en­tretenimento. A cultura é o que nos representa como civilização, mostra de onde viemos, o que somos e para onde vamos. Tenho certeza que você já cantou a plenos pulmões que o “povo que não tem virtude acaba por ser escravo”. Mas e o povo sem cultura? E o povo sem história? O que seria feito desse povo? Certamente se tornaria escravo da cultura e da história dos outros…

Lembro que aqui mesmo em Pinheiro Machado tivemos recen­temente um verdadeiro clamor popular quando o Ministério Público assumiu a tarefa de adotar medidas visando à conservação do casario histórico do entorno da Praça Angelino Goulart, no centro da cidade, como forma de preservar um pouquinho da história do Município para as futuras gerações. Em mais de uma oportunidade nos vimos tendo de responder a questionamentos – nem todos formulados de forma educa­da – do tipo “se o Promotor não tinha nenhum bandido para prender” ou “se não tinha nada de mais importante para fazer do que ficar “perdendo tempo” com meia dúzia de casas velhas caindo aos pedaços”. O que não deixa de representar uma espécie de sentimento padrão da sociedade no que diz com a importância que deva ser reservada à cultura. Em todos os lugares. E em todas as épocas.

Quem ainda não assistiu, assista. Quem já assistiu, reveja. Falo do filme “Caçadores de Obras-primas” (The Monuments Men), baseado em um curioso fato real ocorrido ao final da Segunda Guerra Mundial, quando foi reunido um grupo de pessoas que representam a antítese do que seja uma guerra, grupo esse que foi mandado à Europa para tentar recuperar o que fosse possível das milhares de peças de arte roubadas pelos nazistas, bem como para tentar evitar que se continuas­se a destruir os prédios históricos e os monumentos que sobreviveram aos maciços bombardeios aéreos. Foram reunidos sob o comando do Tenente americano Frank Stout (no filme representado pelo personagem Frank Stokes) um especialista em arte, um arquiteto, um escultor, um marchand, um coreógrafo e um consultor de arte. Alguns muito acima da idade para serem soldados. Outros muito acima do peso. Todos receberem uma farda, uma arma e foram à guerra dispostos a darem a própria vida para salvarem o que fosse possível do retrato da civilização ocidental contemporânea, exatamente por compreenderem que “sem cultura não existe civilização”. O curioso do filme é o contraste evidente de que, tirando eles, nenhuma outra pessoa via qualquer significado na missão, achando-a mesmo um ridículo desperdício de esforços e de vidas. Uma história real, ocorrida bem longe de Cacimbinhas, mas que retrata o mesmo tipo de pensamento.

Então, aproveitemos o isolamento para alimentar não só o corpo, com a comida; e não só o espírito, com a fé religiosa; mas também a alma.

Afinal, “a gente não quer só comida; a gente quer comida, di­versão e ARTE”.

Boa semana e até a próxima!!!

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