PANDEMIA

Frei que esteve na região em 2018 precisou interromper caminhada de volta ao mundo

Ele fez paradas em Pinheiro Machado, Candiota e Hulha Negra há cerca de dois anos

Na foto, Marcelo Monti durante sua passagem por Pinheiro Machado em outubro de 2018 Foto: Arquivo TP

A volta ao mundo a pé. Exa­tos 90 mil quilômetros e cinco continentes. Pouca bagagem, muita determinação. Assim era o plano do frei por­toalegrense Marcelo Monti, que em outubro de 2018 fez paradas em Pinheiro Machado, Candiota e Hulha Negra enquanto percor­ria apenas os primeiros trechos de uma viagem com previsão de duração de 10 anos. O objetivo? Levar informação e combater o preconceito diante do vírus HIV/Aids. Com uma infância difícil e a perda da irmã aos 28 anos por­tadora do vírus, Marcelo decidiu fazer o “Caminho de Aline” -era a volta ao mundo a pé pela vida e contra a Aids. Na época, em conversa com a reportagem, ele contou que a irmã morreu sem buscar tratamento e sequer falar sobre a doença.

Naquele dia, questiona­do sobre os desafios que encon­traria pelo caminho, Marcelo fez uma reflexão diante das dificul­dades enfrentadas no Brasil e no mundo pelos portadores do vírus. “Quando as pessoas perguntam se eu tenho noção de que posso ser assaltado ou enfrentar uma tempestade, eu relaciono isso à questão da vulnerabilidade das pessoas com HIV. Tem uma filósofa que diz “nós sempre estamos entregues ao outro” e, realmente, a gente está sempre sob o cuidado dos outros. Note que pode ser um cuidado bom ou um cuidado ruim, mas mostra o quanto somos seres frágeis e isso se acentua ou se mostra mais visí­vel na caminhada diante da nossa vulnerabilidade ao HIV. Quando as pessoas foram infectadas? Quando não se achavam vulnerá­veis”, pontuou. Na oportunidade, ele teve a chance de reencontrar um amigo da Capital Nacional do Carvão e destacou a atenção do poder público nos municípios da região.

PANDEMIA O que o frei por­toalegrense não esperava era, ao longo dessa caminhada, se deparar com uma das maiores crises sanitárias do mundo. Assim como muitos planos de outras tantas pessoas, a pandemia do novo coronavírus também inter­rompeu os dele. Há alguns dias, Marcelo Monti, agora com 42 anos de idade, enviou um relato dessa experiência via WhatsApp para a nossa reportagem. “Há dois anos, quando deixei Porto Alegre, para percorrer o mundo a pé, eu tinha consciência de que enfrentaria muitos obstáculos pois, se fosse fácil, não haveria apenas dois de 210 milhões de brasileiros vivendo um périplo como esse. Os desafios foram dos mais variados, mas, ainda assim, previsíveis. Tive, por exemplo, que acampar próximo à geleira Pastoruri, no Peru, com sete graus negativos, a uma altitude de mais de 5.200 metros. E, talvez, o mais inusitado que tenha vivido ao lon­go dessa viagem foi o ataque que sofri de autóctones equatorianos, que me bateram por suspeitar que eu estava ali para roubar a comunidade. Foram mais de cin­co anos de planejamento, pensei em vários detalhes e costumo brincar dizendo que tentei prever até mesmo o imprevisto, mas, é claro, que uma pandemia dessa dimensão não estava em minha lista”, confessou.

Além disso, diante do percurso, o frei afirmou que há uma gigantesca miséria que mar­ca a vida de nossos povos, mas há algo maior do que isso e que merece ser ressaltado: as histórias de bondade e solidariedade que viu e viveu foram, sem dúvidas, bem maiores.

VOLTA PARA CASA No dia 20 de março, quando o presidente colombiano decretou estado de emergência sanitária pela Co­vid-19, o frei estava a aproxima­damente 300km de Bogotá. Havia caminhado por várias cidades do Rio Grande do Sul e por sete pa­íses: Uruguai, Argentina, Chile, Bolívia, Peru, Equador e Colôm­bia. Estava prestes a comemorar 10 mil quilômetros percorridos inteiramente a pé. Entre as me­didas adotadas naquele país, para conter o novo coronavírus, estava o isolamento social e a proibição de se deslocar de uma cidade à outra. “Não era algo que os cidadãos ou governantes locais pudessem escolher. Tratava-se de uma medida imposta por decreto presidencial, acarretando multas e detenções aos que não a cum­prissem. Para mim, na prática, isso significou a impossibilidade de continuar viajando.Durante a viagem, eu interagia com diferen­tes pessoas todo o tempo e nesse período havia sido acolhido por mais de 300 famílias. Cada dia eu estava em um lugar diferente. Então, de repente, fui obrigado a isolar-me por mais de quatro me­ses em um quarto de hotel. Como não havia nenhuma perspectiva para o recomeço da viagem e tudo indicava que eu poderia ficar parado por muitos meses mais, tomei a difícil decisão de retornar, provisoriamente, ao Rio Grande do Sul. Considerando que o projeto inicial previa uma viagem ininterrupta de dez anos, passando pelos cinco continen­tes, posso dizer que a pandemia interferiu diretamente no meu planejamento, mas, obviamente, isso não é nada se compararmos com o sofrimento de milhares de pessoas ao redor do mundo que faleceram ou ficaram grave­mente enfermas pela Covid-19”, ressaltou.

UM PASSO DE CADA VEZ Qual lição podemos levar disso e por que o TP fez questão de compartilhar essa história com seus leitores? Porque apesar de toda essa situação, o frei garante que não vai desistir. “Durante um ano e sete meses, com a força de meus passos, percorri todos esses países da América Latina e, com isso, aprendi que o extraordinário é feito de coisas possíveis e, de certa forma, simples, como caminhar. Podemos ficar surpresos com a distância que percorri, mas destaco que os quase dez mil quilômetros caminhados são o resultado de um passo, e outro, e outro. Ou seja, eu percorria aproximadamente 20 ou 30 km diários, distâncias que po­dem ser feitas por qualquer pessoa em bom estado de saúde e com um pouco de treino. Portanto, estou convicto de que é a soma de coisas factíveis que transforma o impos­sível em possível”, disse.

Segundo Marcelo Monti, essa é apenas uma parada, pois ain­da há muito para ser vivido, visto e contado. Ele espera poder retornar do ponto em que parou, em março ou abril. No entanto, antes que se tenha a garantia de uma vacina, considera difícil fazer qualquer previsão. “Espero que em breve o “Caminho de Aline – uma volta ao mundo a pé” seja retomado, pois há ainda muito a ser percorrido e, aqui, me refiro às estradas do mun­do e também à viagem interior da qual a exterior é apenas uma metá­fora. E, onde quer que estejamos, parado ou andando, avançando ou retrocedendo, que possamos dar a melhor resposta para nos tornar mais solidários, empáticos, justos e fazer com que esse mundo seja ainda mais bonito”. Para saber mais sobre o projeto clique aqui.

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