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MST comemora 30 anos de região

Há três décadas iniciava os primeiros assentamentos e a luta pela reforma agrária na região

Neste fim de semana, no assentamento Conquista da Fronteira, no interior de Hulha Negra, o Movimento dos Trabalhdores Rurais Sem -Terra (MST) comemora 30 anos de sua chegada na região. Uma grande programação para comemorar as dificuldades e conquistas será realizada. Foto: Arquivo MST/Especial TP

A reforma agrária, puxada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), está em todos os cantos do Rio Grande do Sul. A luta de um grupo de camponeses, que iniciou em 1984 no município de Ronda Alta, na região Norte, desafiou os acampados daquele local a se deslocarem para a Campanha gaúcha. Em 2019, essa região completa 30 anos da conquista de assentamentos, devido às reivindicações de terra, saúde e educação.

Em 1989, quando os sem-terras se deslocaram para lá, existia somente a cidade de Bagé. Depois da implementação de mais assentamentos, foram criados outros três municípios: Hulha Negra (1992), Candiota (1992) e Aceguá (1996). A partir da luta pela terra, na época, foram fundados seis assentamentos. Os que atualmente estão localizados em Hulha Negra são os assentamentos Nova União, Missões Alto Uruguai, Santa Elmira e Conquista da Fronteira. Já os situados em Candiota são os assentamentos Santa Lúcia e Nossa Senhora Aparecida. Hoje nesses dois municípios, juntamente com Aceguá e Pedras Altas, há 2.250 famílias assentadas em 58 áreas de reforma agrária.

No primeiro ano as famílias sofreram discriminações pela sua cultura e forma de luta. Outra dificuldade enfrentada foi a inexistência de apoio dos governos. Porém, conforme o assentado Marino de Bortoli, os então militantes do MST buscaram caminhos para começar a produção de alimentos. A Cáritas e outros apoiadores foram fundamentais para esse pontapé. Em seguida, a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) passou a auxiliar os camponeses. Sem conhecer as condições do solo e o clima da região, os trabalhadores plantaram milho. A Cooperativa de Produção, Trabalho e Integração (Coptil) foi a primeira cooperativa criada no assentamento, porém a Cooperativa Regional dos Agricultores Assentados (Cooperal) passou a envolver todas as famílias, levando-as para comercialização e armazenagem, o que facilitou a compra e venda de produtos, insumos e bens de consumo.

Em 1991, iniciou o projeto de Alfabetização de Adultos, com a presença do professor Paulo Freire – fato marcante para os assentados locais. Como forma de homenagear o pensador, os assentados inauguraram um ginásio e o nomearam de Centro Cultural Paulo Feire.

VIDA MELHOR – A precariedade das infraestruturas disponibilizadas pelo Estado, como estradas, a falta de energia elétrica, de atendimento à saúde e de educação, sempre esteve presente nos assentamentos. Segundo Bortoli, isso afetava no avanço do processo da produção e fez com que várias escolas começassem a funcionar em locais arriscados, com salas improvisadas.

Para reivindicar seus direitos, o MST organizou diversas lutas por estradas e recursos para produção, entre outras coisas. Além disso, após um diagnóstico da região, o Movimento realizou parcerias com a entidade francesa Centro Internacional de Cooperação para Desenvolvimento Agrícola (CICDA) e o Centro de Tecnologias Alternativas Populares (Cetap). Esses implementaram um projeto para o desenvolvimento regional com ênfase na assistência técnica da produção nos lotes. A partir desse auxílio, os assentamentos da região optaram pela cadeia leiteira como principal fonte de renda, e arroz irrigado, sementes de hortaliças, mel e frutíferas como produções alternativas.

Com o passar do tempo, de acordo com Bortoli, os assentados buscaram seus primeiros investimentos nas áreas da produção e infraestrutura. No ano de 1997 foi criada a Rede de Sementes Agroecológicas BioNatur, que tem como principal objetivo produzir e comercializar sementes orgânicas que possam ser cultivadas, multiplicadas, conservadas e melhoradas.

Produção de sementes da Bionatur Foto: Arquivo MST/Especial TP

Já na área da educação, os investimentos em formação técnica e política sempre foram constantes, com a construção de escolas pólos de ensino fundamental e médio, que estavam situadas nos próprios assentamentos, o que facilitou o acesso para os assentados e seus filhos.

NOVO MILÊNIO – A agroecologia passa a ser discutida e priorizada nos assentamentos da Reforma Agrária a partir dos anos 2000. O MST intensifica o debate da produção com a proposta de uma alimentação saudável e sustentável tanto para os Sem Terra, quanto para a sociedade. O governo do Estado passa a realizar ações, com investimentos nas estradas e estruturas coletivas regionais, como moinhos, casa do mel e Unidade Básica de Saúde. Ocorre, assim, a Inserção de um grande número de famílias Sem Terra, as quais recebem investimentos para produção e moradia.

Diante disso, os assentados da região da Campanha avançam na consciência do projeto de agricultura familiar sustentável, diversificada e no desenvolvimento regional. Após o aumento do número de famílias e da produção, surgiram novas demandas de infraestrutura. Portanto, os assentados voltam a se mobilizar, pedindo mais envolvimento do governo com as reivindicações das famílias.

 CONQUISTAS – A região, depois de 20 anos de lutas, acumulou diversas conquistas. As cooperativas e as associações do Movimento somam-se em várias áreas da produção, como a Coptil, no armazenamento de arroz, milho e trigo para processamento e um mercado para a comercialização de produtos em geral; e a Cooperal, que também é vinculada a um mercado. A Cooperativa das Carnes (Coopcarnes) abate bovinos e ovinos; a Cooperativa Agroecológica Nacional Terra e Vida (Coonaterra) é a primeira do Brasil a produzir, beneficiar, embalar e comercializar sementes de hortaliças agroecológicas, além de ter uma diversificada produção de grãos, forrageiras e adubação verde. Ainda há a Associação de Trabalho e Cooperação Agrícola (Asteca), que produz mel; e a Cooperativa de Produção Agropecuária do Pampa Gaúcho (Coopampa), que armazena leite dos assentamentos.

Escola improvisada garantiu a formação para enfrentar as dificuldades Foto: Arquivo MST/Especial TP

Segundo a assentada Veronice Tavares, as escolas de ensino fundamental e médio estão nos assentamentos de três municípios: Hulha Negra, Aceguá e Candiota. Para além disso, a inclusão do Centro de Educação Popular e Pesquisa em Agroecologia (Ceppa), localizado no Assentamento Roça Nova, em Candiota, acaba tornando-se o principal espaço de formação regional, inclusive com atuação estadual. No ano de 2019, o Ceppa está retomando suas atividades após um período de muitas dificuldades enfrentadas pelas famílias. Entre os desafios, segundo Veronice, está a captação de recursos, para contribuir na formação, na luta, na organização e na resistência coletiva. “O centro está cumprindo sua função de estimular o desenvolvimento local com incentivo à agroecologia, ações que contribuem para escolarização, na formação técnica, com novas relações de gênero, na promoção da pesquisa, assessoria técnica e apoiando projetos”, enfatiza.

REFORMA AGRÁRIA – Para Ildo Pereira, dirigente nacional do MST pelo Estado, os assentamentos da Reforma Agrária Popular para a região da Campanha foram fundamentais para o desenvolvimento da população e dos municípios daquele local. “Nós somos parte concreta e direta da emancipação de Hulha Negra e Candiota. No nosso assentamento nos orgulhamos de dizer que desde a nossa existência não teve nenhum caso de criança que morreu por má alimentação”, salienta.

Outro fato de orgulho para os assentados da região é a sua contribuição para a sociedade através de lutas do MST. “É difícil você pegar um município e não notar o crescimento das lojas e mercados com a chegada dos assentamentos na região. Os pequenos agricultores contribuíram para as comunidades, principalmente de Hulha Negra e Candiota, com a manutenção das estradas, acesso à energia e água potável”, relata Pereira.

Já o assentado Bortoli reforça a importância da Reforma Agrária Popular para a população em geral. “Acreditamos que é uma das principais saídas para o problema do desemprego, para ter qualidade de vida, fazer o resgate sociocultural, econômico, e devolver a dignidade às famílias expulsas do campo”, finaliza.

FESTA DOS 30 ANOS – Para comemorar essa história de lutas e conquistas, o MST está preparando dois dias repletos de atividades. Será neste sábado e domingo (14 e 15), no assentamento Conquista da Fronteira, em Hulha Negra. Na programação tem torneio de futebol 7, baile com a Banda Porto do Som, ato de celebração dos 30 anos de assentamentos na região e shows de artistas renomados e populares.

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