ATENDIMENTO

Saída de médicos cubanos cria sérios problemas na saúde pública da região

Médica cubana Daiana Del Pinho atende no posto de saúde da sede de Candiota Foto: Navarrina Studdio/Especial TP

O anúncio nesta quarta-feira (14) do governo de Cuba de retirar os médicos cubanos do programa Mais Médicos vai gerar forte impacto negativo no atendimento de saúde dos municípios da região.

A justificativa do Ministério da Saúde cubano é que as exigências feitas pelo governo eleito de Jair Bolsonaro (PSL) são “inaceitáveis” e “violam” acordos anteriores. O presidente eleito disse, na sua conta do Twitter, que a permanência dos cubanos está condicionada à realização do Revalida pelos profissionais, que é o exame aplicado aos médicos que se formam no exterior e querem atuar no Brasil. “Condicionamos à continuidade do programa Mais Médicos a aplicação de teste de capacidade, salário integral aos profissionais cubanos, hoje maior parte destinados à ditadura, e a liberdade para trazerem suas famílias. Infelizmente, Cuba não aceitou”, disse o presidente eleito, na rede social. “Além de explorar seus cidadãos ao não pagar integralmente os salários dos profissionais, a ditadura cubana demonstra grande irresponsabilidade ao desconsiderar os impactos negativos na vida e na saúde dos brasileiros e na integridade dos cubanos”, publicou mais tarde.

Para as autoridades cubanas, o governo eleito questiona a preparação dos médicos ao exigir que eles se submetam à revalidação do título para serem contratados. Em documento enviado pelo Ministério da Saúde de Cuba, as autoridades cubanas ressaltam que o acordo do Mais Médicos foi ratificado em 2016. No comunicado, afirmam que questionar a capacidade dos profissionais do país é indigno. “Não é aceitável questionar a dignidade, o profissionalismo e o altruísmo dos colaboradores cubanos.”

No período eleitoral, Bolsonaro disse que pretendia manter o programa, mas sem viés ideológico e comprovando capacidade técnica para o trabalho a ser desempenhado. Segundo ele, o conceito do programa social vai além da questão de saúde.

Secretários municipais de Saúde e prefeitos reagiram à interrupção da cooperação técnica entre a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e o governo de Cuba, que possibilitava o trabalho de cerca de 8,5 mil profissionais cubanos no programa. Em nota conjunta, o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) apelam para a manutenção dos profissionais cubanos no Brasil sob risco de faltar atendimento à população.

Segundo as entidades, com a decisão do Ministério da Saúde de Cuba de rescindir a parceria, mais de 29 milhões de brasileiros poderão ficar desassistidos da atenção básica de saúde. Eles pediram que o presidente eleito Jair Bolsonaro reveja a decisão de aplicar novas exigências para a permanência dos cubanos no país. “As entidades pedem a revisão do posicionamento do novo Governo, que sinalizou mudanças drásticas nas regras do programa, o que foi determinante para a decisão do governo de Cuba. Em caráter emergencial, sugerem a manutenção das condições atuais de contratação, repactuadas em 2016, pelo governo Michel Temer, e confirmadas pelo Supremo Tribunal Federal, em 2017”, diz a nota.

NA REGIÃO – O TP conversou com os secretários municipais de Saúde de Candiota, Hulha Negra, Pinheiro Machado e Pedras Altas após a repercussão da notícia. Todos são unânimes em afirmar sobre o impacto negativo da falta desses profissionais no dia à dia das comunidades, principalmente as mais pobres.

CANDIOTA – O vice-prefeito Gil Deison Pereira, que responde pela pasta da Saúde no município lamentou o episódio, pois na Capital do Carvão são duas médicas cubanas atuando, que atendem diariamente nos postos de saúde de Seival e na sede do município.

Conforme Deison, são 60 atendimentos por semana e 240 por mês em Seival e o mesmo número na sede da cidade, totalizado 480 atendimentos mensais. “Para ser ter ideia isso significa mais de um terço de nossos atendimentos médicos. Hoje temos uma média 1.235 consultas de atenção básica por mês”, evidencia.

Então será uma perda significativa. “Na quantidade e na qualidade. Vamos ter que ser ágeis e investir pesado para repor estes atendimentos. É um problema do governo federal, mas a população que precisa de atendimento bate na porta da Prefeitura”, disse.

PINHEIRO MACHADO – Além de enfrentar uma crise financeira sem precedentes, a Terra da Ovelha será a que mais vai perder com a saída dos médicos cubanos. Atualmente são três profissionais da ilha caribenha atuando no município.

Para o secretário Éliton Rodrigues o sistema de saúde local entrará em colapso, porque ao todo são cinco médicos na rede pública. Os três cubanos atendem nos postos da Zona Sul, Zona Leste, Torrinhas e Vila Umbus. “Será um caos, caso se confirme a saída dos médicos”, lamenta.

HULHA NEGRA – O vice-prefeito Igor Ballejo Canto, que responde pela Secretaria de Saúde, disse que a saída do único médico cubano que atua no município vai gerar um grande transtorno, porque ele atende especialmente as comunidades rurais, principalmente os assentamentos da reforma agrária. “Isso nos causará um baita problema”, queixa-se.

PEDRAS ALTAS – O município com menor arrecadação da região não participa do Mais Médicos, mas segundo a secretária de Saúde, Vera Teixeira, a cidade estava inscrita e vivia a expectativa de receber profissionais médicos do programa. “Vai ficar difícil a vida dos gestores e das pessoas. Todos sabemos que os estrangeiros só vieram porque os brasileiros não quiseram o Mais Médicos e com a crise os municípios não terão dinheiro para pagar médico pelo valor do mercado. Não quero ser pessimista, mas o sonho de médico em todos os postos, todos os dias acabou. Agora é rezar para que surja uma solução para o bem de todos, principalmente da população”, analisou.

Hoje o atendimento médico público na Cidade do Castelo é feito através de uma empresa, que venceu uma licitação feita pela Prefeitura.

O MAIS MÉDICOS – O programa foi criado em 2013, na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), para levar médicos a regiões distantes e periferias do país. A vinda dos médicos cubanos foi acertada por meio de convênio firmado entre os governos brasileiro e de Cuba, por meio da Organização Pan-americana de Saúde (Opas), e que dispensava a validação do diploma dos profissionais. Na ocasião, o acordo foi questionado por entidades médicas brasileiras.

Em abril deste ano, o Ministério da Saúde confirmou a suspensão do envio de 710 profissionais cubanos ao Brasil para trabalhar no programa Mais Médicos. Na ocasião, o então ministro da Saúde, Ricardo Barros, disse que a iniciativa não prejudicaria o país. Segundo Barros, o governo cubano tinha a previsão de reduzir de 11,4 mil para 7,4 mil médicos de Cuba no período de três anos. De acordo com ele, as substituições serão feitas por médicos brasileiros que estão no cadastro anterior. Anteriormente, a previsão era de o Brasil receber de 3 mil a 4 mil profissionais cubanos este ano.

Atualmente, conforme dados do ministério, o programa tem 18.240 médicos trabalhando em 4.058 municípios e 34 distritos sanitários especiais indígenas.

Médicos cubanos representam mais da metade dos profissionais que atuam no Mais Médicos Foto: José Cruz/Agência Brasil/Especial TP

* Com informações da Agência Brasil

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