O Brasil, ao longo da sua história, nunca foi um país caraterizado por uma estabilidade democrática. A verdade é que nunca fomos democráticos, ao menos não em maioria significativa, considerada a régua do tempo e os acontecimentos que acabaram por preenchê-la desde a Independência, em 1822. Os exemplos, a esse respeito, são vários e variados, a materializar uma vivência cercada de golpes e contragolpes, marcada, no entremeio, por meros “soluços democráticos”.
Consumada a Independência foi convocada a Assembleia Constituinte. Ela foi fechada, à pata de cavalo e com espadas em punho, por ordem do Imperador Pedro I, naquilo que poderia ser reconhecido como o primeiro golpe militar da história. Daí em diante houve: a “proclamação” da República, um golpe militar. A “Revolução de 30” que, sob a liderança do Presidente Getúlio, derrubou a primeira República. A “Intentona Comunista”, em 1934. O Golpe do Estado Novo, em 1937. O “movimento integralista”, de feição fascista. A tentativa de golpe, em 1955. O “golpe brando”, de 1961 (parlamentarismo a fórceps). E o golpe militar de 1964, com as suas consequências todas, dentre elas o AI-5, de 1968. Para ficar apenas aqui… e de modo bem superficial.
A redemocratização se consumou e foi coroada com a Constituição de 1988, aquela que garantiu a maior estabilidade da história brasileira. Com ela, não sem arranhões, são trinta e quatro anos de regime democrático. Por esse marco civilizatório, verdadeira condição de possibilidade de uma convivência em civilidade, no fim das contas, devemos zelar.
E, para tanto, basta que olhemos para o retrovisor. Ele trará duas mensagens: a primeira é a de que nunca fomos muitos democráticos ao longo da história, o que requer, da gente, um contínuo “sinal de luz alta”; a segunda, a seu turno, é a de que lembrando o passado, não desejaremos, ao menos em grande maioria, repeti-lo.
Precedo a Constituição em três meses aproximados. Vim ao Mundo em 07 de julho de 1988. Ela, a Constituição Federal, em 05 de outubro do mesmo ano. Por ela, entretanto, fui recepcionado. E dela sou um defensor. Da mesma que, a partir do seu artigo 1°, proclamou, desde já, de modo a fazer vencer um passado nebuloso na história brasileira, a instituição de um Estado Democrático de Direito.
A Segunda-Guerra Mundial trouxe à tona um cenário de absoluta falência do Direito. O Direito foi tragado pela política e por um modo totalitário de fazer política. Dos escombros de guerra, então, surgiria esse novo paradigma, que é, ao mesmo tempo, resgate e construção. O EDD concilia Estado Democrático e Estado de Direito, não apenas na reunião formal dos seus elementos, mas na criação de um conceito novo, com forte carga transformadora, que surge justamente para resgatar todas as promessas não cumpridas da Modernidade – respeito aos direitos individuais, respeito aos direitos sociais de mínima subsistência, democracia etc.
Já o conteúdo das Constituições, nesse caminho, passa a ser materialmente reivindicável. A Constituição de um Estado Democrático de Direito veicula consensos mínimos, que lidam com a proteção do regime democrático, da separação dos poderes, da dignidade humana, dos direitos fundamentais. Trata-se de um controle da política pelo Direito, que consagra pré-compromissos vinculantes.
A noção de Estado Democrático de Direito, ao fim e ao cabo, valendo-me dos ensinamentos de Lenio Streck, possui um caráter transformador, que está indissociavelmente ligado à realização dos direitos fundamentais. E é desse liame indissociável, como afirma o professor Lenio Streck, “que exsurge aquilo que se pode denominar de plus normativo do Estado Democrático de Direito, […] a construção das condições de possibilidade para suprir as lacunas das etapas anteriores”, dentre elas a democracia em si mesma. Façamos preservá-la.
São os nossos votos nestes 35 anos da Constituição Federal. Que venham muitos pela frente.
ORIGINALMENTE ESTE CONTEÚDO FOI PUBLICADO NO JORNAL IMPRESSO*