DIA DAS MÃES

Histórias de amor e luta entre mães e filhos – Pinheiro Machado

O próximo domingo (14) será marcado por homenagens e demonstrações de afeto. Marcado no calendário como Dia das Mães, na data costumam ser exaltados o amor, carinho e cumplicidade entre filhos e mães. Um abraço aconchegante, um beijo acolhedor, o coração batendo fora do peito. A maternidade transforma a mulher, a deixando capaz de se multiplicar para atender o filho e proteger, seja tendo laços sanguíneos ou proximidade afetiva.
Ainda que a figura materna deva ser venerada diariamente pelo dom da vida e pela capacidade de doação infinita, o segundo domingo de maio também é lembrado pela reportagem do Tribuna do Pampa. Como forma de homenagear todas as mães pelo seu dia, o jornal traz quatro histórias de mães e filhos guerreiros, onde o amor é a definição completa em todas as formas.
Pinheirense comemora inclusão do nome da mãe adotiva na certidão de nascimento

Na foto, em 1992, as mães participaram
juntas da formatura de Ana Lúcia Foto: Arquivo Familiar

Essa é a história da Ana Lúcia Butierrez Garcia Dutra. Pinheirense, 54 anos, professora, esposa, mãe de um casal de filhos, recentemente promovida a avó do Heitor – seu primeiro neto que nascerá daqui a alguns meses. Poderia ser uma história comum, mas ganha um significado todo especial às vésperas desse Dia das Mães. Recentemente, nas redes sociais, ela compartilhou com os amigos que ganhou na Justiça o direito de incluir o nome da mãe adotiva na sua certidão de nascimento.
Desde então, também no papel, ela reforçou um privilégio que pode contar desde a infância: o de ter duas mães. “Ana Lúcia Garcia Dutra passará a se chamar Ana Lúcia Butierrez Garcia Dutra, filha de Maria José Garcia, Gilka Butierrez e Ananias Garcia, acrescendo também como avó materna Aidê Dias Butierrez”, consta na decisão judicial. O pedido de adoção da maior de idade foi realizado pela própria mãe adotiva com total apoio da mãe legítima de Ana Lúcia. Para a reportagem, ela contou que sua nova certidão de nascimento deve ficar pronta ainda nesta semana.
HISTÓRIA – Gilka Butierrez, falecida recentemente aos 76 anos, era vizinha e amiga da mãe biológica de Ana Lúcia e, por isso, tomava conta da menina desde que ela nasceu para que sua mãe biológica pudesse trabalhar. Gilka não possuía filhos biológicos e nem parentesco com a adotanda, mas tratou de dar carinho, amor e cuidado até o último dia de sua vida para Ana Lúcia.
A menina era a quarta filha de um casal bem pobre – o pai era doente, não podia trabalhar e ficava com os filhos mais velhos. Ana Lúcia nasceu em um rigoroso inverno – a mãe, atualmente com 80 anos, preferia ir alimentar a filha na casa de Gilka quando chegava já à noite do trabalho e a buscava na manhã seguinte para que não passasse frio. Alguns anos depois, o casal foi tentar uma vida melhor em Pelotas e Ana Lúcia preferiu ficar com Gilka e a mãe dela, as quais já havia acostumado a chamar de mãe e avó. “A mãe Gilka me levava pra visitar a mãe Maria e ela vinha nos meus aniversários, Natal, Ano Novo e sempre mantivemos esse laço”, disse. Ambas acompanharam os primeiros passos, as primeiras palavras, a formatura e todos os momentos marcantes da vida de Ana Lúcia. Gilka, assim como Maria José, também cumpriu o papel de sogra de seu esposo e de avó de seus dois filhos. O pai de Ana Lúcia faleceu quando ela tinha 12 anos.
ADOÇÃO – Para o jornal, Ana Lúcia contou que a maior preocupação de Gilka diante de um processo de adoção era que fossem retirados os nomes de seus pais biológicos do seu registro de nascimento e isso ela não queria de forma alguma. “Ela fez um testamento pra mim e quando adoeceu as coisas começaram a dificultar já que eu não era filha legal, então ficava tudo muito difícil porque eu não tinha o mesmo sobrenome dela. Foi aí que ela resolveu fazer essa adoção e foi uma verdadeira benção quando o juiz decidiu por somente acrescentar o nome dela, sem retirar os dos meus pais biológicos. Embora ela não tenha visto a conclusão do processo, nossa história não poderia ter um final mais feliz e, mesmo com um testamento, pra mim o mais importante era ter o nome dela nos meus documentos”, disse.

 

Nesta semana, Ana Lúcia receberá a certidão de nascimento atualizada com o nome das duas Foto: Arquivo Familiar

AÇÃO JUDICIAL – A reportagem procurou a advogada que cuidou do caso de Ana Lúcia para comentar sobre o assunto. Lóren Pinto Ferreira, que também é professora universitária, disse que essa foi uma das ações mais bonitas e gratificantes da sua carreira. “Isso porque a conheço, assim como a sua família, desde criança, e sempre a vi com a adotante sendo tratada como filha e a tratando como mãe e, por outro lado, sempre a vi, também, com a sua mãe biológica da mesma forma, a tratando como mãe e sendo tratada como filha. Do pai dela lembro pouco porque ele faleceu quando éramos crianças”, disse.
Sobre a ação, contou que ingressou no ano de 2020, a pedido de Gilka (a mãe adotiva). Devido à pandemia e ao longo período em que Pinheiro Machado ficou sem juiz titular, o processo acabou se prolongando e, infelizmente, a mãe socioafetiva veio a óbito. “Continuamos com a chamada adoção póstuma, prevista no artigo 42, parágrafo 6º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Neste caso, especificamente, como a mãe socioafetiva foi a autora da ação, claramente restou demonstrado o inequívoco desejo de adotar. Importante destacar que esse tipo de adoção após a morte do adotante pode ocorrer, inclusive, em casos em que o processo ainda não tenha sido ajuizado, isto é, que o protocolo da ação seja posterior à data da morte do(a) adotante, desde que demonstre a vontade deste(a) de adotar. É necessário ter provas consistentes e irrefutáveis de que adotante e adotado construíram, durante a vida, um inequívoco relacionamento socioafetivo de pai/mãe e filho(a)”, explicou.
MULTIPARENTALIDADE – Para o jornal, a advogada e professora comentou que outro ponto interessante nesse caso, além da adoção póstuma, é a multiparentalidade, ou seja, que Ana Lúcia simplesmente acrescentou em seus documentos a mãe socioafetiva, mantendo os pais biológicos. Então, agora ela oficialmente tem duas mães (dupla filiação) e um pai. “Nessa ação, foi comprovado que ela mantinha laços de mãe e filha com duas mulheres, não tendo como retirar uma delas, as duas foram mães e são ainda, a Dona Maria José neste plano e a Dona Gilka em outro (segundo a fé dos que acreditam que a vida não termina com a morte). A multiparentalidade ou pluriparentalidade é o reconhecimento jurídico da coexistência de mais de um vínculo materno ou paterno em relação ao mesmo filho(a). É, antes de mais nada, o reconhecimento de que ser pai ou ser mãe não diz respeito apenas ao vínculo biológico ou ao padrão tradicional de família, com um pai, uma mãe e o(s) filho(s). Nem poderia ser na sociedade em que vivemos, onde temos famílias compostas por mãe e filho(s), pai e filho(s), mães e filho(s), pais e filho(s), vó e neto(s) e assim por diante”, disse.
Conforme destacou Lóren, nessa e em tantas outras histórias, o Direito buscou reconhecer e dar o necessário amparo jurídico a toda e qualquer configuração familiar porque entende que o que importa de fato é o afeto existente entre as pessoas envolvidas. E na história de Ana Lúcia Butierrez Garcia Dutra, agora legalmente filha de Maria José Garcia e de Gilka Butierrez, afeto foi o sentimento que não faltou.
ORIGINALMENTE ESTE CONTEÚDO FOI PUBLICADO NO JORNAL IMPRESSO*

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