Brasileiros e Argentinos cultivam uma relação recíproca de admiração e de inveja. Na política os vizinhos foram exaltados por ter sido os primeiros a abandonar o populismo que se abateu sobre a América Latina através de uma eleição no ano passado. O presidente Maurício Macri é conciliador e parece disposto a fazer o possível para resolver os de seu país de forma pragmática e cerimonioso. Os brasileiros, por sua vez, são considerados afortunados pelos argentinos porque, aqui, a Justiça tem liberdade para investigar políticos, mesmo quando ainda estão no exercício do mandato.
Na Argentina, isso só costuma ser possível quando um grupo político é substituído por outro poder. É o que está acontecendo agora. Até o fim de abril, 22 ex-funcionários do governo de Cristina Kirchner terão de depor em cinco causas distintas. Cristina esteve em um tribunal em Buenos Aires para justificar uma operação estranha de venda de dólar futuro, que pode ter deixado um prejuízo de 5 bilhões de dólares nos cofres públicos. “Ela corre sério risco de ser presa, mas não por isso”, diz Guillermo Fanego, especialista em processo penal do Colégio Público de advogados da Capital Federal, em Buenos Aires. A maior preocupação de Cristina, segundo Fanego, é o escândalo Hotesur, em que o empresário Lázaro Báez, empreiteiro do poder, pagava milhares de diárias a um hotel de Cristina na Patagônia sem nunca ter se hospedado lá.
Um ex-colaborador de Báez, Leonardo, preso por sonegação, admitiu que ia com o empreiteiro à residência oficial para entregar sacolas de dinheiro a Cristina e seu marido, o ex-presidente Néstor Kirchner. Nos treze anos em que ocuparam a Casa Rosada, os Kirchner amedrontaram juízes ao abrir processos políticos contra eles e nomear magistrados que lhes eram simpáticos. Agora livres de pressões políticas, os juízes podem tocar processos interrompidos. Quem coordena a investigação mais sensível contra Cristina é o juiz Sebastián Casanello, que já foi próximo do oficialismo e atualmente atua com independência. “Muitos juízes argentinos sentem inveja do prestígio dos colegas brasileiros, que não precisam esperar as trocas de presidente para fazer seu trabalho”, diz o sociólogo Marcos Novaro, do Centro de Investigações Políticas. O Brasil, de fato, é um país independente.