CAMINHO DE ALINE

Pela vida e contra a Aids: frei gaúcho passa pela região

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Entre as cidades de cobertura do TP, Pinheiro Machado foi a primeira parada do frei Foto: Arquivo TP

Já imaginou como vai ser a sua vida daqui a 10 anos? Foi esse o ques­tionamento que o frei por­toalegrense Marcelo Monti fez a respeito da sua própria trajetória. Com uma infância difícil e a perda da irmã aos 28 anos portadora do vírus HIV, Marcelo decidiu fazer o “Caminho de Aline” – é a volta ao mundo a pé pela vida e contra a Aids. A jo­vem morreu no ano de 2008 sem buscar tratamento e ao menos falar sobre a doença. A ideia é levar informação e combater o preconceito pelos cinco continentes nos próximos 10 anos.

Conforme contou ao Tribuna do Pampa na quarta-feira (3) quando passou por Pinheiro Machado, o religioso acre­dita ser preciso quebrar uma série de conceitos para que o mundo se torne um lugar melhor. “Aqui no Brasil, não é nem porque a gente é pragmático, é porque a gente só se percebe portador de certos direitos quando a gente já tem alguns. Por que nós vamos ter dificuldade de pensar num projeto onde al­guém vai caminhar? Porque antes eu preciso pensar que preciso de saúde, de casa, de comida e de escola. Quando a gente tiver plenamente acesso a essas coisas todas, aí vamos nos dar conta que também temos o direito de caminhar, de descobrir outros mundos e novos hori­zontes”, comentou. Para ele, a busca por um olhar mais sensível diante do outro deve ser constante.

Ainda em Pinhei­ro Machado, o frei que já estava no seu 36º dia de caminhada fez contato com o secretário de Saúde e Ação Social, Éliton Rodrigues, onde conversou sobre os números do HIV no municí­pio. Sobre o tema, Marcelo comentou com o TP jamais ter desconsiderado dados do Ministério da Saúde, mas acredita que seja preciso ir muito além disso. “O nos­so trabalho muda com um contato real e direto com as pessoas. Conseguir encon­trar e ouvir essas pessoas nos dá outra perspectiva, é essa coisa da gente colocar como ponto de partida a vida dela para tratar a questão”.

Questionado sobre os desafios que vai encon­trar pelo caminho, Marcelo fez uma reflexão diante das dificuldades enfrentadas no Brasil e no mundo pelos portadores do vírus. “Quan­do as pessoas perguntam se eu tenho noção de que posso ser assaltado ou en­frentar uma tempestade, eu relaciono isso à questão da vulnerabilidade das pessoas com HIV. Tem uma filósofa que diz “nós sempre estamos entregues ao outro” e, real­mente, a gente está sempre sob o cuidado dos outros. Note que pode ser um cui­dado bom ou um cuidado ruim, mas mostra o quanto somos seres frágeis e isso se acentua ou se mostra mais visível na caminhada diante da nossa vulnerabilidade ao HIV. Quando as pessoas fo­ram infectadas? Quando não se achavam vulneráveis”, pontuou.

Aos 40 anos de ida­de, frei Marcelo tem se de­dicado a fazer o que acredita ser o que faça de melhor: encontrar pessoas. Assim tem sido desde que saiu de Porto Alegre, com pouca bagagem e muita disposição para trocar ideias, informa­ções e lutar pela igualdade entre as pessoas ao longo dos 90 mil quilômetros que pretende percorrer. Segundo ele, estabelecer contato com soropositivos e poder levar esses relatos adiante já tem feito o percurso valer a pena. Entre os depoimentos mais marcantes que ouviu, uma pelotense disse sentir que as pessoas a veem como uma agente contaminadora. “É isso que as pessoas com HIV sentem: que os outros têm medo delas. Vocês conse­guem se colocar no lugar de alguém assim?”, levantou a questão.

Marcelo esteve na Comunidade São Francisco, em Pinheiro Machado Foto: Divulgação TP

Antes de seguir em direção a Candiota, o frei acompanhou o padre Edegar Barrozo até a Comu­nidade São Francisco onde pode falar sobre o projeto e conversar com as pessoas que ali começavam o dia no momento da oração. “Lá eu tive a chance de perguntar o que a gente pode fazer para superar esse preconceito com as pessoas com HIV e com todas as minorias. Foi assim que um senhor sinali­zou que falaria, olhou para todos que ali estavam e disse que era preciso se perceber frágil e se colocar no lugar do outro”. Para a equipe do TP, Marcelo disse que essa é a resposta e o caminho da busca diária que tem feito: ser sensível às pessoas e criar empatia.

CANDIOTA Seguindo seu caminho, em Candiota o frei acabou ficando hospedado na casa de um antigo colega que o projeto “Caminho de Aline” deu a chance de rever. Marcelo disse que a estadia na capital do carvão proporcionou três momentos importantes: o encontro com o amigo, a passagem pela usina em construção e a ex­periência de caminhar à noi­te. Nesse dia, ele completava 15 anos como frei. “Quando eu passei pela usina con­segui fazer contato com os operários que estavam sain­do e naturalmente forma­vam grupos para esperar o transporte. Nem fiz questão de tirar foto porque valeu muito a conversa que eu tive ali. Eles acolheram com respeito a proposta e foram muito diretos nas perguntas sobre a transmissão do HIV, queriam informações bem práticas sobre o assunto. Nessa hora eu entendi que esse é um público muito carente de informações”, explanou.

Sobre as dificulda­des pelo caminho, pontuou a poeira e o movimento intenso na estrada – que acabou gerando uma série de dificuldades naquele trecho. Apesar disso, considerou fundamental aquela expe­riência de estabelecer um diálogo informal com os operários. Segundo contou, ele conseguiu parar por cerca de 10 minutos em cada grupo que se formava, totalizando 1h de troca de ideias.

HULHA NEGRA Acolhido de forma muito agradá­vel por uma família que mora em frente à igreja e já possui vínculo com os freis, o religioso destacou o reconhecimento do Poder Executivo diante do trabalho que se propôs a fazer para combater o preconceito com portadores do vírus HIV. “Eu cheguei na Prefeitura porque precisava de acesso à internet e acabei sendo reconhecido pelo Relações Públicas que estava acom­panhando a minha trajetória pela internet. Foi assim que eu consegui fazer contato com o secretário de Saúde e fui recebido no gabinete do prefeito”.

Em Hulha Negra, o prefeito Renato abriu as portas do gabinete para o “Caminho de Aline” Foto: Joanes Araujo/Especial TP

Segundo ele, é im­portante que os gestores atentem para essa temática. Além disso, o fato de um homem comum estar cami­nhando à pé para tentar levar informação para as comuni­dades aponta o excesso de demanda e a necessidade de falar sobre a Aids. “Eu vi ali do poder público, dos gestores, um interesse muito grande tanto em Pinheiro Machado quanto em Hulha Negra. Nessa última além da recepção acolhida daquela família, destaco o acolhi­mento por parte da Prefei­tura”.

SAIBA MAIS O projeto “Caminho de Aline” teve início no dia 28 de agos­to de 2018, com saída de Porto Alegre pela BR-116. Nesse dia o frei Marcelo completava seu 40º ani­versário e, motivado pela história da irmã, se propôs a passar os próximos 10 anos percorrendo os cinco con­tinentes para se encontrar com as pessoas, diminuir o preconceito e falar sobre a Aids. Até o fechamento da edição, o religioso já havia passado por Guaíba, Barra do Ribeiro, Tapes, Camaquã, Cristal, São Lourenço, Turu­çu, Pelotas, Capão do Leão, Cerrito, Piratini, Pinheiro Machado, Candiota, Hulha Negra e Bagé. Até o próximo dia 14, a expectativa é que ele chegue até a cidade de Melo, no Uruguai, para con­tinuar levando mensagens de fé e esperança. Relatos e registros das experiên­cias são feitos pelo próprio frei na página do Facebook “Caminho de Aline – a volta ao mundo a pé pela vida e contra a Aids”.

COLABOREConforme contou ao TP enquanto se dirigia até o trevo de Pi­nheiro Machado, Marcelo disse já ter entendido que não precisa de muito para a sua sobrevivência ao lon­go da jornada. Carregando só o necessário, ele conta com o apoio dos amigos para despesas com a sua alimentação. A ideia é que seja feito o contrato de um ano para depósito mensal de R$ 20. Para colaborar, entre em contato com ele através do WhastsApp (51) 98508-6678 ou pelo e-mail [email protected].

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