UNIÃO POPULAR

Região participa da 47ª Romaria da Terra celebrando fé e resistência

Mais de 5 mil romeiros e romeiras se reúnem por moradia, trabalho e reconstrução de comunidades atingidas por enchentes. Candiota, Hulha Negra e Bagé também se fez presente no evento que aconteceu em Arroio do Meio

Romaria foi realizada em uma das cidades mais atingidas pelas enchentes no RS Foto: Jorge Leão/Especial

Com o tema “Reconstruir e cuidar da Casa Comum com fé, esperança e solidariedade”, a 47ª Romaria da Terra aconteceu nesta terça-feira de Carnaval (4), na cidade gaúcha de Arroio do Meio, no Vale do Taquari. A região escolhida para a edição deste ano foi bastante afetada pelos desastres climáticos que se abateram sobre o RS desde 2023, intensificado com a enchente de maio de 2024, que deixou o bairro Navegantes completamente destruído no município. Romeiros e romeiras de diferentes regiões do estado e também de fora reuniram-se para celebrar a fé e a luta pela defesa do planeta, do meio ambiente, da moradia, da população e da justiça social.
O cardeal Dom Jaime Spengler destaca a tradição de 47 anos de dinamismo pastoral envolvendo a questão da terra. “Vale recordar aquilo que o Papa Francisco há anos atrás pontuou como uma necessidade urgente: terra, teto e trabalho para todos. A Romaria da Terra de alguma forma repercute esse desejo do Santo Padre. Esse ano nós estamos aqui numa região marcada pela tragédia climática do ano passado, então celebrar a Romaria da Terra neste pedaço de chão aqui em Arroio do Meio é também trazer a memória daquilo que aconteceu e ao mesmo tempo dar atenção e promover consciência a respeito da necessidade de carinho, cuidado e necessidade de moradia, porque todos têm direito a viver com dignidade. Teto e trabalho são a condição mínima para ter uma vida digna”, pontua.

A concentração para a procissão aconteceu no Seminário Sagrado Coração de Jesus, local que durante a enchente de maio de 2024 acolheu muitas pessoas atingidas da região. As boas vindas aos romeiros e romeiras foi realizada pelo bispo Dom Itacir Bassani. “Viemos aqui para agradecer a presença de vocês durante esses dois anos de luta para sobreviver e para reconstruir a nossa vida, a nossa cidade e cuidar da nossa terra, da nossa casa comum. Aqui não estamos como fugitivos e desertores, mas como peregrinos de esperança, fé e solidariedade”, disse.
A caminhada de 2,5 km foi em direção ao centro do município e durou cerca de duas horas debaixo de um sol muito forte que ultrapassou os 40°C. Mas nem o extremo calor afetou a alegria dos envolvidos em estarem reunidos em manifestação de esperança e fé. Estavam presentes entidades sindicais, movimentos sociais, religiosos de diversas religiões, indígenas, idosos, crianças, jovens.
O frei José Frey, que trabalha nos assentamentos da reforma agrária de Hulha Negra, Candiota e Aceguá, ressaltou que o povo, quando precisa manifestar a solidariedade, enfrenta tempestades e sol quente com sorriso no rosto. “Estamos em milhares de pessoas aqui e se você observar a classe dessas pessoas vai perceber que são pobres. Em toda solidariedade, sempre quem mais é solidário é o pobre. É o pobre quem trabalha, que sabe o que é trabalhar, o quão pesado é. E quando vê seus companheiros nessa situação de tragédia, são os primeiros que vão ajudar. Enquanto que as pessoas que poderiam ter condições muito melhores de solidariedade não aparecem. E ainda criticam quem vem fazer a solidariedade.”

Frei José Frey trabalha nos assentamentos de Hulha Negra, Candiota e Aceguá Foto: Fabiana Reinholz/Especial

O presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Edegar Pretto, lembrou do importante trabalho das cozinhas solidárias que deram conta de levar alimento de qualidade para os atingidos e contribuíram nessa rede de solidariedade tão necessária que esta romaria traz para reflexão. “Muitos agricultores perderam não só a casa, o galpão, seus animais, sua criação, perderam inclusive a terra. A terra agricultável, a terra forte, foi para dentro dos rios.”
Ele ressalta que é preciso reconstruir, recuperar terra e esperança. “Porque locais aonde moravam seus avós e pais, a água levou embora. Vemos aqui locais onde as casas estão condenadas, não será mais possível habitar. E o Poder Público tem que dar conta de colocar essas pessoas num lugar habitável. Onde elas realmente possam recomeçar as suas vidas emocionalmente, socialmente e economicamente.”
O ex-ministro Olívio Dutra pontuou a necessidade de preservar e respeitar o meio ambiente para manter um desenvolvimento ecologicamente sustentável. “A mãe natureza é mãe de todos nós, mas que o capitalismo na fase neoliberal quer tirar da mãe natureza tudo o que é riqueza para aumentar seus lucros e socializar a miséria e a pobreza. E o que aconteceu aqui foi a natureza se rebelando com décadas de agressão que vem sofrendo. E esta Romaria é para relembrar tudo isso e mostrar a solidariedade com as famílias que perderam tudo e alguns perderam até pessoas queridas.”
O prefeito de Candiota, Luiz Carlos Folador, participou da Romaria junto ao grupo de Hulha Negra e Bagé. Ele falou ao TP sobre o momento vivenciado, destacando não ter feito registro fotográfico em razão do cenário encontrado. “Eu sou católico, já estive em diversas Romarias da Terra e esta edição foi muito especial e emocionante. Foi um encontro de reflexão, nunca vi nada parecido na minha vida. A cidade foi muito atingida pela enchente do ano passado, alguns lugares ficaram completamente sem casas. Valeu muito ter ido, pude reencontrar amigos. Saímos de Candiota na segunda-feira às 23h, chegamos em Arroio do Meio logo pela manhã. Foi muito emocionante”, afirmou.
Após a caminhada, na praça central, em uma mística foi feita a leitura da carta da 47ª Romaria da Terra e realizada a missa. Houve um momento da bênção às cozinhas solidárias, a voluntárias e voluntários, à Missão Sementes de Solidariedade e às doações recebidas ao longo do evento.

* Com informações do site Brasil de Fato

 

ORIGINALMENTE ESTE CONTEÚDO FOI PUBLICADO NO JORNAL IMPRESSO

Comentários do Facebook