ESPECIAL FUTEBOL

Uma cidade, dois times e duas paixões: como sobrevivem os clubes de futebol da Rainha da Fronteira

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Clássico BaGua completa 100 anos o ano que vem Foto: Sérgio Galvani/Especial TP

No interior do Rio Grande do Sul pou­cas cidades possuem duas equipes de futebol pro­fissional ativas, disputando campeonatos e mobilizando torcedores. Bagé, a Rainha da Fronteira, está entre esse seleto grupo que vive diariamente a rivalidade de dois clubes tradicionais: o Guarany Futebol Clube, com 112 anos de idade, e o seu coirmão Grêmio Esportivo Bagé, prestes a completar seu centenário.

No próximo ano, também completa 100 anos que o Índio Guarany conquistou seu primeiro importante título, o de cam­peão gaúcho, feito este que repetiu em 1938. Inclusive, a agremiação detém a fa­çanha de ser o único time do interior a ter duas taças dessa importante competi­ção do Estado. Já o Grêmio Bagé se sagrou campeão gaúcho cinco após após ser fundado, em 1925.

A história gloriosa desses dois clubes, que já estiveram na elite, e que hoje vivem a tentativa de voltar à série A – ambos dis­putarão a Divisão de Acesso ano que vem -, nos remete a mudança econômica que se deu ao longo desse período em toda a região.

Outrora o poder da pecuária fazia mais rica a cidade, ainda mais se proporcionalizarmos ao restante do Estado, onde a indústria se desenvolveu assim como o entorno da capital, distanciando as realidades. Fazer futebol é ainda mais difícil nos dias atuais no interior, e as equi­pes se mantêm pelo amor de dirigentes e torcedores, muitas vezes passado atra­vés das gerações.

Dentro da reporta­gem especial que prepara­mos, trazemos um pouco das dificuldades e glórias do Guarany Fu­tebol Clube e a do Grêmio Esportivo Bagé – que simbolizam uma cidade, dois times e duas paixões bageenses.

Desafio do Guarany é se manter na Divisão de Acesso em 2020

Em 1938, o Guarany se sagrou bicampeão estadual do RS – feito não superado por nenhum time do interior até hoje Foto: Acervo Guarany/Especial TP

O time alvirrubro, fundado em 1907 por 11 jovens bo­êmios, que é o atual campeão da Terceirona, é presidido pelo empresário Heráclito Moreira, popularmente conhecido por Tato, que herdou essa paixão do pai.

O Cacique, chefe da tribo dos Guarany, há anos faz parte dos quadros de direção, já tendo ocupado a presidência por sete vezes, bem como, participou de várias gestões em diferentes cargos. O Guarany possui de patrimônio o Estádio Antônio Magalhães Rossel, também conhecido como Estrela d’Alva, e um Centro de Treinamento (CT) de jovens atletas, localizado dentro do Complexo do Militão.

Conforme relata o presidente à reportagem do Tribuna do Pampa, o clube conta com cinco funcionários contratados com carteira assinada, e que trabalham durante todo ano na manutenção do estádio. Os gastos mensais fixos da entidade estão em torno dos R$ 10 mil. Sem precisar o quanto é arreca­dado, o dirigente conta que o Guarany vive das contribuições dos cerca de 120 sócios, da venda de produtos esportivos, dos patrocínios e de doações. A mensalidade dos associados é de R$ 30, e o valor do ingresso varia de R$1 5 à R$ 60, conforme tipo de assento, e se a compra é feita de forma antecipada ou na hora. A média de público nos jogos é de 500 pessoas, dobrando esse número em partidas decisivas.

Tato Moreira, atual presidente, herdou a paixão do pai Foto: Munique Monteiro/Especial TP

A ajuda que a Federação Gaúcha de Futebol (FGF) dá aos clubes do interior, é qualificada por Tato como redentora, destacando que sempre teve uma boa relação com a entidade. O gestor acredita que não há uma desigualdade na divisão dos recursos entre os clubes. “Tu estar na terceira divisão não pode querer a mesma cota de quem esta na primeira. Não encaro como desigual, e sim como valorização de produto. No momento que acendermos na divisão, vamos receber cotas maiores, e conse­quentemente, captaremos patrocinadores melhores”, acredita.

Na área patrimonial, relata que entre as prioridades de sua gestão está a liberação de uma arquibancada do lado visitante, que está interditada devido o desabamento do muro, que já foi refeito. Outra necessidade será a reforma total de toda a rede elétrica, que segundo o presidente, na história recente, nunca foi feita. A reativação da iluminação os refletores do campo é outra demanda, e será necessária, devido alguns dos jogos da Divisão de Acesso acontecerem à noite.

Sobre passivos e dívidas, o presidente sem citar o mon­tante, diz que elas existem, e que é necessário fazer um consórcio de credores, porém, para isto será necessário ter uma renda fixa certa, o que não é a realidade no momento. Para buscar pelo menos estancar essa questão, ele diz que a meta é não criar novos deficits, afim de não aumentar o problema já existente.

CATEGORIAS DE BASE Com grande importância para a formação de novos atletas, as categorias de base este ano foram reativadas e estão sob a coordenação do professor Mário Medina Dornelles, profisional qualificado e com grande experiência na área, tendo inclusive, participado recentemente de intercâmbio na Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

Jovens das categorias sub 13, sub 15 e sub 17 já estão treinando, e neste segundo semestre iniciam as atividades para os sub 19. Celeiro de grandes craques como Branco, André Luiz e, atualmente Jaílson (ex-Grêmio), o clube tem o papel não só de formação, como o de oportunizar aos jogadores a visibilidade necessária para acender no esporte.

DESAFIO O maior desafio da atual gestão, segundo o cartola, é se manter na Divisão de Acesso no próximo ano. “O principal se­gredo de ter dado certo neste campeonato foi o amadurecimento de todos, e o principal: o planejamento”, creditando a conquista do título de Campeão da Terceirona 2019 à toda equipe diretiva. Tato é pé no chão quando fala no sonho de atingir o topo do futebol gaúcho, retornando a serie A, “eu vejo longe, existem times melhores estruturados que o nosso, nosso trabalho é pela manutenção do time na divisão que conquistamos”, afirma, revelando que muito do sucesso da temporada se deu a forma profissional que adotaram.

CEM ANOS DE BAGUA Sobre a importância da disputa do Bagua, que a partir do ano que vem passa a ocorrer novamente, por ambos estarem na mesma divisão, o alvirrubro destaca que a relevância não é só para a cidade e região, sendo o clássico com o maior número de confrontos do futebol gaúcho, superando a dupla Grenal.

Com o aniversário de 100 anos do Bagé em 2020, tam­bém se comemora o centenário dessa rivalidade. “Nós temos muita responsabilidade em levar um time a campo contra o Grêmio Esportivo Bagé. Temos muito respeito pelo adversá­rio”, declara, revelando que vai ser uma grande festa ter as duas agremiações no mesmo campeonato.

DOIS TIMES Por vezes, por conta das dificuldades finan­ceiras passadas por ambos os clubes, e diante do fato da cidade ser considerada pequena, há quem sugira que as duas equipes deveriam se unir no sentido de se transformarem em um único time. “Respeito a opinião de quem pensa assim, mas não compactuo, enquanto eu tiver forças, o Guarany vai existir, enquanto eu conseguir reunir pessoas para me ajudar e auxiliar o clube, vai existir”, garante.

O pensamento de Tato reflete a ideia das torcidas e dos grandes amantes do futebol, de que não se mistura água e óleo.

 

Grêmio Bagé otimiza espaços e usa criatividade para se manter

Grêmio Bagé foi campeão gaúcho em 1925, cinco anos após sua fundação Foto: Acervo GE Bagé/Especial TP

O time jalde-negro nasceu em 1920 da união de dois outros times locais, o Sport Club 14 de Julho e o Rio Branco. Entre os fundadores também figuravam alguns atletas do Sport Clube Bagé – primeira agremiação de futebol da cidade, e que foi extinta logo após a criação da nova equipe.

O atual presidente é o médico Rafael Alcalde, que já ocupa o cargo máximo há três anos, bem como esteve presente em outras gestões. Sua família mantém participação ativa no comando da entidade há muitos anos, com profundos laços no clube que disputa nesse segundo semestre a Copinha.

Seu estádio é chamado de Pedra Moura, devido a existência de uma pedra na região, de grande dureza, quase impossível de se quebrar, cujo os torcedores costumam fazer esta analogia com o desempenho da equipe e da torcida nos domínios do local. O estádio também é chamado de Colméia, assim como a torcida, pois tem como símbolo a abelha, devido as cores amarelo e preto da camisa, que também lembra o famoso clube uruguaio, Penãrol.

Segundo informações passadas à reportagem do TP pelo comandante do clube, em virtude da agremiação vir jogando o ano inteiro desde 2016, existe um quadro fixo de quatro funcionários que atuam no dia a dia da entidade para manutenção da estrutura.

Médico Rafael Alcalde, atual presidente do Bagé, vem de uma tradição familiar no clube Foto: Munique Monteiro/Especial TP

A CONTA NUNCA FECHA – Sem precisar um valor mensal de gastos, Alcalde garante que o custo de tudo isso, mais as taxas e impostos, é bastante elevado para uma equipe do interior bancar. “O equilíbrio financeiro é muito difícil de se conseguir porque os campeonatos são deficitários. Só se obtêm grandes rendas se houver grandes investimentos”, avalia, afirmando que dessa forma a conta nunca vai fechar.

]Que para a melhora existe a necessidade de estar em uma competição de maior visibilidade, que obtenha maior retorno. Sendo esse o maior sonho da sua gestão, conquistar vaga em uma competição grande como a Copa do Brasil ou a Primeira Divisão Gaúcha.

Atualmente o clube vive não só da mensalidade dos 415 sócios e 63 conselheiros, venda de materiais esportivos, alugueis da estrutura, como o campo de society, lucro do bar, patrocínios e doações, como também, da grande contribuição do diretor executivo, Rodrigo Trindade, que conforme o presidente relatou investiu pesado na formação da equipe, sendo bem satisfatória a parceria.

Os associados pagam de R$ 30 à R$ 50 e os conselheiros R$ 100 por mês. “O público presente nos jogos este ano não foi menor que duas mil pessoas, o que proporcionou boas rendas”, relata Alcalde.
Sobre o apoio da FGF, o dirigente conta que recebem o auxílio de duas bolas por partida, e o custo da arbitragem, que rende em torno de R$ 4 mil. A partir deste ano passaram a receber devido à um aplicativo de transmissão online das partidas da Divisão de Acesso, a cota anual de R$ 60mil como direito do uso de imagem.

Em relação à passivos e dívidas, diz que existem, mas classifica que todos são administráveis, revelando que 90% dos déficits herdados na sua gestão já foram quitados, e o restante conforme for folgando o caixa, deverão ser pagos.

CRIATIVIDADE – Consciente de que os valores que os times do interior, que pertencem à series menores que a A, são regidos pelo mercado, o dirigente entende que o tamanho da visibilidade faz aumentar as chances de melhores patrocínios. “Quanto mais perto da elite, mais fácil. Apesar de querermos melhor distribuição dos auxílios, temos que subir para conquistar”, confirma.
Na área patrimonial, o comandante jalde-negro diz que houve grandes avanços, já que áreas dentro do estádio que não tinham nenhum uso foram otimizadas e rentabilizadas, como a criação da quadra sintética que é alugada ao público, mesmo caso da quadra de vôlei de areia, e a locação de um espaço para instalação de uma antena de uma operadora de telefonia. O bar temático, bem como a lojinha, presentes no complexo do Pedra Moura, também receberam destaque. Uma meta para o segundo semestre é a reforma do salão de festas que projeta ter o mesmo fim quanto a arrecadação de recursos.

BASE – Segundo relata o cartola, o Bagé sempre teve uma preocupação social, mantendo uma escolinha de futebol voltada à formação, atendendo cerca de 130 meninos de 7 à 13 anos, onde muitos dos inscritos são carentes e não pagam nenhum custo para participar. “Acreditamos que estamos fazendo a nossa parte formando cidadãos melhores através do esporte”, revela.

BAGUA – A rivalidade local, para o dirigente, necessita ser sempre fomentada, porque instiga o bairrismo, e logo, atraí mais visibilidade das equipes. “A corneta saudável, respeitosa, estimula o crescimento dos dois times. O clássico Bagua volta ano que vem com muita força em 2020, devendo ser um dos anos mais disputados de todos os tempos, e quem ganhará muito com isso será o torcedor”, acredita.

Em relação a união dos dois clubes, vindo a se transformar em apenas um, Alcalde é categórico ao afirmar que somente uma pessoa de fora da cidade, sem conhecimento da tradição, da história de ambos, e com pensamento racional, e não emocional poderia levantar essa hipótese. “É impossível haver essa fusão, seria mais fácil surgir uma terceira força do que fazer a união de Bagé e Guarany”, diz.

Mesmo ciente das dificuldades financeiras, onde muitas vezes as equipes tem que dividir patrocinadores, a junção jamais seria considerada. Para o gestor essa rivalidade é o que faz permanecerem vivos no esporte e na cidade, é a mola que impulsiona um à querer sempre superar o outro.

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