OPINIÃO

Uma ode à decência

* Samuel Saliba Moreira Pinto

Ode é espécie de homenagem em forma de poema, a algo ou alguém. Decência é a qualidade de quem tem adequados padrões éticos e morais; é digno e correto. O indecente é antiético, imoral, indigno e incorreto.

Seria absurda uma homenagem à indecência. Ninguém gosta dela. A pior pessoa é boa com quem gosta de verdade. Nem que seja consigo mesma. Grandes tiranos da história certamente sentiram frio e taparam-se; buscaram o prazer e fugiram da dor.

Mesma coisa com a liberdade. Ninguém é contra ela totalmente. Não faria sentido. Se é contra a liberdade dos outros, daqueles com os quais se discorda, dos inimigos. Todo mundo também é a favor dos próprios Direitos Humanos: 100% das pessoas seria contra a própria tortura.

Em janeiro faleceu Olavo de Carvalho, pessoa sobre a qual não falarei nestas linhas. Não conhecia suas obras literárias. Acessei apenas alguns vídeos seus pela internet, e alguns episódios de um podcast. Nada mais. Recentemente, porém, com os ataques de guerra praticados pela Rússia de Putin contra a Ucrânia, ignorando sua soberania, algumas considerações do brasileiro sobre o presidente russo foram lembradas e referenciadas.

Muito já foi dito e escrito sobre Olavo. E um número imenso de pessoas, por ocasião do seu óbito, correu para publicar que o detestava e o quanto, aparentemente, gostou do seu desaparecimento. Correram para dizer que ele não era filósofo, professor e intelectual ;alguns empenharam-se em zombar de um morto. É verdade que muitos falavam mal dele também quando estava vivo. E ele também falou mal de muitos.

Em um período pandêmico, todavia, de bastante (?)“empatia” e “gratidão”, com todas as aspas possíveis, e preocupação com saúde mental e autocuidado, em que se sabe que redes sociais podem ser tóxicas, é verdadeiramente perturbadora a forma como a morte de um homem foi recebida e comemorada. Será que não ouviram a música “Saiba”, de Arnaldo Antunes?

Comemora-se a saúde, o nascimento, o amor e a amizade. Se não se admite a celebração da morte de um inimigo (lembremos de Jesus no Sermão da Montanha!), menos ainda a de uma pessoa como Olavo, que para grande parte dos seus críticos era insignificante; a despeito de, passados meses do seu óbito, ter sido lembrado pelo que disse e escreveu – e até (aparentemente) conseguiu prever.

A decência é compatível com o respeito, sobretudo com respeito ao luto.

* Advogado, graduado em Direito pela Urcamp/RS e mestre em Direito pela Unisinos/RS

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