PELO MUNDO

Candiotense conta como foi a experiência de morar por dois anos e meio na Venezuela

Axil foi realizar um intercâmbio por meio do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra (MST)

Axil (em primeiro plano à esquerda, de pernas cruzadas e de chinelo), com a Comuna Che Guevara onde passou o último ano Foto: Divulgação TP

Há pouco mais de um mês, o candiotense Axil Costa, 31 anos, retornou para o município de Candiota após realizar um intercâmbio na Venezuela e fazer parte da Brigada Internacionalista Polônio de Carvalho, por meio do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), onde ficou por dois anos e meio. Ele que esteve na redação do Tribuna do Pampa compartilhando a sua experiência, quando falou sobre o cotidiano durante este tempo, desafios que passou e pontos turísticos que visitou, além dos planos para os próximos meses.

 

COMUNAS

 

No início da conversa, Axil explicou que o MST realiza esse tipo de intercâmbio, pois o ex-presidente da Venezuela, Hugo Chávez, já falecido, teve uma experiência com o MST no Rio Grande do Sul e ficou encantado com o que viu, principalmente pela capacidade de auto-gestão, participação, organização e produção, e tentou transferir um pouco dessa experiência para a Venezuela. “O foco principal do intercâmbio é tratar sobre a soberania alimentar em primeiro lugar, que é como uma peça de grande estratégia de pensar uma maneira em que o país possa produzir a sua própria comida para não depender de importações. Já o segundo plano é o tema do internacionalismo. Hoje estamos passando por muitos problemas aem nível internacional, como os conflitos na Palestina, por exemplo, com muitas pessoas mortas. Nós, enquanto organização, já entregamos mais de 13 mil toneladas de alimentos para eles nesse período”, informou.

Além da Brigada na Venezuela, que enviou as primeiras pessoas em 2006, onde Axil estava desde 2021, o MST também possui brigadas de atuação no Haiti, Cuba, em Zâmbia na África e também na China.

Formado em educação física e filosofia, Axil estava morando no Estado de Mérida, no município Caracciolo Parra y Olmedo, atuando na Comuna Che Guevara, onde cerca de 3 mil pessoas estão organizadas. Segundo ele, as comunas, se comparado a Candiota, seriam as áreas rurais e os assentamentos. Neste ambiente, é como se cada assentamento fosse um conselho comunal, e dentro desses conselhos existem diversos comitês, como o da saúde, de vivendas, da luz, alimentação, gás, juventude, participação, entre outros. “É um processo mais radicalizado, que faz com que as pessoas assumam os processos políticos e que não fiquem necessariamente esperando o serviço do Estado ou da Prefeitura”, explicou, dizendo que este método está sendo motivo de visitas, análise e estudos.

 

ROTINA

 

Ao ser questionado sobre o seu dia a dia no intercâmbio, o candiotense disse que a sua tarefa específica estava ligada a organização para a produção de sementes de hortaliças, onde também começaram a realizar experiência em áreas produtivas.

“Nós testamos a produção de sementes de algumas culturas, e uma experiência que tivemos êxito e que teve inclusive uma repercussão em nível nacional e foi reconhecido pelo Ministério de Ciências e Tecnologia, foi com a semente de cenoura aqui da BioNatur, que segundo pessoas informadas e leigas também, é a maior cooperativa de sementes agroecológicas da América Latina. Com isso, conseguimos fazer com que os camponeses tivessem uma experiência diferente”, contou.

 

EXPERIÊNCIA

 

Ao falar da experiência que teve durante o período em que esteve na Venezuela, Axil disse que o país é encantador e que a convivência com o pessoal foi fundamental, ressaltando que o contato com outra cultura, culinária, outro idioma e com outra leitura de mundo, fez com que a experiência fosse ainda mais enriquecedora.

Sobre a adaptação longe de casa, o candiotense disse que o processo foi lento e gradual, especialmente por estar vivendo em um lugar onde os ciclos das coisas são distintos. “Nós sempre escutamos muito pela mídia como que é a Venezuela, e como ela está. Bom, o país tem boa parte do seu recurso bloqueado no estrangeiro, e chegar lá e ver alguns serviços que são básicos, como a luz e o gás que não são pagos, a gasolina que em períodos anteriores era presenteada para as pessoas, essa dinâmica foi muito impactante”, contou.

Axil também falou que vivia em uma comunidade andina, onde as coisas são bem parecidas com o RS, e que após conquistar a confiança das pessoas, se tem amigos para a vida toda.

 

DIFICULDADES

 

Em relação as dificuldades enfrentadas durante o processo, Axil destacou em primeiro lugar a distância dos amigos, da família e da cultura do Brasil. Em outro sentido, ele também mencionou que demorou para se adaptar com o padrão de vida diferente da Venezuela, onde as pessoas, segundo ele, não consomem tanta diversidade de alimentos como aqui, principalmente por não ter o mesmo acesso a bens de consumo e por ser um país que não tem a sua produção de comida tão desenvolvida.

“Dá pra mensurar em dois níveis, tem uma dificuldade cotidiana que todos nós temos, e a Venezuela tem desigualdades e não existe uma classe média, ou tu tem dinheiro ou não tem. Não existe uma classe trabalhadora com muita capacidade de consumo como se tem aqui, tem desigualdade social evidente, mas não é tão mais grave com a que a gente vive no Brasil”, disse ele, mencionando que é uma dificuldade que se passa em todos os lugares.

Durante a conversa, Axil também falou que a Venezuela está enfrentando uma dificuldade econômica desde 2013. Ele disse que a gasolina não é paga como aqui no Brasil, e que os venezuelanos têm direito a 70 litros de combustível gratuito por mês, mas que nem sempre o produto chega até os lugares. “Tinha momentos que eu estava em um lugar e não tinha acesso a gasolina. Assim como a luz, não se paga, mas era muito normal ficar quatro ou cinco horas sem”, pontuou.

Quando perguntado se retornaria para a Venezuela, ele respondeu que sem dúvidas voltaria, destacando mais uma vez que as pessoas acabam criando um certo preconceito com o país pelas coisas que se comentam. “O país é um convite, voltaria tranquilamente a conviver”.

 

PONTOS TURÍSTICOS

 

Como pontos turísticos que marcaram a sua passagem pelo país, o candiotense prontamente citou as praias do Caribe em primeiro lugar. Logo em seguida, ele falou sobre o maior teleférico do mundo que está localizado em Mérida, mas que infelizmente não conseguiu ter a experiência de andar. “Também fui em um lugar que dava a visão para o Pico Bolívar, que é o maior pico e tem mais de 4 mil metros de altitude, e eu consegui ir em um lugar com água termal que está a mais de dois mil metros de altitude. É um lugar frio, mas quando tu chega a água está quente”, compartilhou.

Ainda sobe os pontos turísticos, Axil também citou o fenômeno Catatumbo, que ocorre somente sobre o rio Catatumbo, que deságua no lago Maracaibo. “O lago Maracaibo, segundo umas pesquisas que eu fiz, ele é o maior lago do mundo”.

 

PLANOS

 

Ao finalizar a conversa, o candiotense que é filho do professor João Roberto e da empresária Ezicleia de Moura, falou que no momento pretende curtir a família, os sobrinhos e encontrar amigos, reafirmando que continua vinculado a organização do MST. “Eu também cheguei e me deparei com o acampamento do MST em Hulha Negra, algo que não acontecia há muitos anos”, comentou, dizendo que  esteve no local e já está providenciado cadastro, pois também deseja ter o seu pedaço de terra.

“Eu também estou ajudando a minha mãe no restaurante, que também é uma novidade pra mim. Além disso, já estou me inserindo na política do município, pois mesmo estando fora, sempre pensamos em projetos de campanha. Pretendo ficar aqui nos próximos meses”, disse.

*Matéria atualizada com relação ao impresso

ORIGINALMENTE ESTE CONTEÚDO FOI PUBLICADO NO JORNAL IMPRESSO*

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