Cobra que mama

* Por Cássio Lopes

Chamada pelos gaúchos da fronteira de “cobra mamadeira”, aquela que tanto mama na mulher como em vaca, história contada desde os primórdios, e que vem se mantendo na tradição gaúcha, através da transmissão oral, no decorrer das gerações.

É impressionante como essa crença não é exclusiva de pessoas idosas que ouviram de seus pais e avós, mas que ainda perdura em gente moça, que defende com grande convicção sobre a existência dessas cobras por ouvirem de seus ascendentes, merecedores de indiscutível crédito.

Na região da campanha, são vários os relatos de pessoas que teriam visto cobras mamarem tanto em vaca, como em mulheres em fase de amamentação. Descrevem a serpente como de porte grande e de coloração preta, que geralmente habitam perto de lagoas, banhados e macegas.

No caso da vaca, a cobra vinha por detrás desta e se introduzia entre as suas patas, tomando a forma de um oito (8), maneando o animal, que ficava quieto, permitindo o roubo de seu leite. Alguns acreditam que a serpente ao fazer a sucção, produzia alguma substância relaxante à vaca que, com o tempo se acostumava com o ato, passando a procurar a cobra ao invés do terneiro que, inevitavelmente, acabava morrendo de fome.

O escritor, historiador e pecuarista Cândido Pires de Oliveira, 83 anos, relata que uma das vacas de sua propriedade sofreu o ataque da referida cobra: “É impressionante, a vaca procura a cobra para amamentá-la, ao invés do terneiro. Rondei por muitos dias para ver se a encontrava, a fim de matá-la e livrar o bezerro, mas, infelizmente não consegui”.

Já nas mulheres, a serpente vinha sempre à noite, enquanto estas adormeciam ferradas no sono, cansadas de tanto amamentar seus bebês. Aproveitando o oportuno momento, a cobra subia na cama e colocava a cauda na boca da criança para que esta não chorasse e começava a mamar sorrateiramente. Essa ação era repetida por muitas noites, causando desnutrição a criança, além de feridas em sua boca.

Dona Onélia Franco Marques, 80 anos, do lar, moradora do Rincão do Inferno, Distrito de Palmas, interior de Bagé, conta que foi vítima da dita cobra: “Minha filha mais velha quando bebê, era bem gordinha e, de uma hora para outra, ficou magrinha e cheia de feridas na boca. Certa madrugada, escutei um chiado no pilar do meu quarto, acendi o lampião e vi uma cobra preta descendo em direção ao berço. Então gritei para meu irmão vir até onde eu estava, que ali tinha uma cobra. Ele deu a primeira paulada, mas o porrete escorregou no corpo dela, já na segunda bordoada, ele acertou em cheio e jorrou leite para todos os lados”.

Segundo explica a ciência, as cobras são répteis e não apresentam a enzima lactase para digerir o leite. Além disso, nenhuma serpente é dotada das adaptações no crânio necessárias para realizar a sucção como fazem os bebês humanos e de outros mamíferos, sendo, portanto improvável que as cobras procurem por leite como forma de alimentação.

Fontes:

Di Primo, Raul Annes. “Vento Sul – Costumes Campeiros”, Edigal, 2000.224 p.

https://blogdonurof.wordpress.com/2010/10/05/cobra-bebe-leite-um-pouco-mais-sobre-a-pseudoboa-nigra-a-cobra-preta/

https://www.1news.com.br/noticia/517545/curiosidades/mito-ou-verdade-conheca-a-cobra-preta-que-mama-7110-10072018

http://www.indicatu.com.br/noticia/388/-a-cobra-que-mama-no-peito—verdade-ou-lenda

* Escritor e historiador

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