Como as democracias morrem?

Democracias contemporâneas podem ruir? Mesmo democracias tradicionais, como o exemplo norte-americano, correm perigo? Estaríamos diante do colapso da democracia ocidental como modo de vida? De que forma isso se manifestaria? Pois bem. Em “Como as democracias morrem” (editora Zahar, 2018), obra que se tornou rapidamente um verdadeiro “best-seller” (sucesso de vendas), Steven Levitsky e Daniel Ziblatt procuram responder essas e outras questões que preocupam muitos de nós, considerados os arroubos autoritários vislumbrados em muitas das democracias ocidentais na atualidade.
Dividida em nove capítulos, e com prefácio de um grande estudioso como Jairo Nicolau, a obra dos professores de Harvard parte de um pressuposto fundamental, qual seja: a democracia pressupõe a existência de regras, porém, nem todas as regras são formais; dentre as regras informais, por sua vez, há duas que são decisivas para o funcionamento de uma democracia que se preze, isto é, tolerância mútua e reserva institucional. Tolerância mútua significa reconhecer que os oponentes, desde que se comportem dentro das regras do jogo institucional, têm o mesmo direito de existir, de defender as suas ideias perante o espaço público e de competir pelo poder. Já a reserva institucional designa uma espécie de autocontenção dos agentes públicos, de modo que eles evitem ações aparentemente legais, mas que contrariam a força normativa da Constituição, especialmente no que tange ao bom funcionamento das instituições democráticas. Para que uma democracia seja mais do que uma quimera, é necessário, pois, que esteja embebida numa cultura democratizante que transcenda a política. Tarefa difícil. Mas salutar. E de responsabilidade comum, compartilhada, de todos que se ocupam com a defesa do princípio democrático.
O livro é atual. E a leitura é indispensável. Veja bem, caro (a) leitor (a): tolerância mútua e reserva institucional, infelizmente, têm estado em falta. Logo, a obra de Levitsky e Ziblatt, além de se encaixar perfeitamente na contemporaneidade, traz um importante alerta: o de que as democracias contemporâneas correm graves riscos. E os riscos existentes hoje não provêm de tanques ou de baionetas, mas de atores que, mesmo eleitos por esse sistema, tão logo empossados, passam a atacar o sistema através do qual se elegeram. Democracias sempre correm riscos. Porém, o perigo de hoje é muito maior, porquanto silencioso e endógeno (interno ou proveniente de dentro das instituições democráticas). Queres ver? Verás!
Com efeito, durante a Guerra Fria, golpes de Estado foram responsáveis por quase três em cada quatro colapsos democráticos. As democracias em países como Argentina, Brasil, Chile, Gana, Grécia, Guatemala, Nigéria, Paquistão, Peru, República Dominicana, Tailândia, Turquia e Uruguai morreram dessa forma, ou seja, de assalto. Mais recentemente, como bem lembram os autores, golpes militares derrubaram o presidente egípcio Mohamed Morsi em 2013 e a primeira-ministra tailandesa Yingluck Shinawatra em 2014. Em todos esses casos, a democracia se desfez de maneira espetacularizada, através do poder e da coerção das armas. Hoje, todavia, não é mais assim. E há outra forma de derrubar uma democracia, menos dramática, mas igualmente destrutiva: a morte da democracia não pelas mãos dos generais, mas de líderes eleitos, presidentes ou primeiros-ministros que subvertem o próprio processo que os levou ao poder. A Venezuela de Chávez e a Turquia de Erdogan são exemplos consideráveis desse fenômeno. Mas há mais: Geórgia, Hungria, Nicarágua, Peru, Filipinas, Polônia, Rússia, Sri Lanka e Ucrânia. O retrocesso democrático começa hoje nas urnas. E a erosão da democracia é, para muitos, quase que imperceptível.
Assim sendo, a partir de um esquema concebido pelo espanhol Juan Linz na década de 1970, é que Levitsky e Ziblatt apresentam a nós outros uma quadra de características acerca de como agem os líderes autoritários e populistas (hoje eleitos), a saber: a) rejeição das regras democráticas do jogo (ou compromisso débil para com elas); b) negação da legitimidade dos oponentes políticos; c) tolerância ou encorajamento à violência e; d) propensão a restringir liberdades civis de oponentes, inclusive da mídia e dos tribunais. Estes seriam os quatro principais indicadores do comportamento autoritário. E não são poucas, eis o problema, as vozes a partir das quais tais indicadores vêm se manifestando nos espaços democráticos do Ocidente, na Europa e nas Américas. Até que ponto, consequentemente, a democracia brasileira é vulnerável a essa forma de retrocesso? A pensar… e a alertar!

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