200 anos da primeira Assembleia Constituinte

Escrevo a coluna da semana na noite de 03 de maio de 2023. E a data é importante. Daí a escolha do respectivo tema. Trata-se, com efeito, do bicentenário da instalação da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa, de 1823, cujo fruto, apesar do despotismo demonstrado pelo jovem Imperador Pedro I no seio daqueles acontecimentos, representaria a primeira Constituição da história do Brasil, a Constituição Imperial de 1824, primeira da história e única do período monárquico.

Após uma sessão preparatória em 17 de abril, a Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil instalou-se solenemente no dia 03 de maio de 1823, com a fala inaugural do Imperador. Foram eleitos para a Assembleia noventa deputados, distribuídos por quatorze províncias, dos quais seis não tomaram assento nem foram substituídos. O Centro-sul foi representado por quarenta e três membros, sendo que a província mais representativa foi Minas Gerais, com vinte deputados, enquanto São Paulo contou com nove, Rio de Janeiro com oito e Rio Grande do Sul com quatro. O Nordeste contou com quarenta e quatro deputados, sendo que as províncias campeãs em representação foram Pernambuco, com treze, e Bahia, com onze. O Centro-oeste contou com três representantes, dois por Goiás e um pelo Mato Grosso.

Do ponto de vista da representação profissional, havia vinte e seis bacharéis, vinte e dois magistrados, dezenove sacerdotes e sete militares, além de médicos, proprietários rurais e funcionários públicos. O número de profissionais vinculados com o Direito não deve surpreender, afinal, os processos revolucionários e constitucionais da época já indicavam essa tendência. O grupo, todavia, não deve ser considerado como coeso e com interesses comuns ou de classe bem definidos.

Já quanto ao perfil ideológico dos Constituintes, os registros permitem identificar posições extremas, ultraconservadoras, de um lado, e liberais-radicais ou mesmo jacobinas, de outro. Além dos extremos, havia um centro de largo espectro, que englobava conservadores e liberais. As posições doutrinárias e as atitudes políticas nem sempre eram coerentes entre si, nem mesmo muito nítidas em diversos casos. A despeito do conhecimento que se tinha das diferentes correntes políticas e filosóficas que circulavam na Europa e do intenso debate travado por meio de panfletos e na imprensa periódica, muitas tomadas de decisão se davam em função de referências mais concretas e menos teóricas, como o maior ou menor poder do Imperador e a autonomia provincial.

Conforme avançavam os trabalhos na Assembleia, caiu o governo de José Bonifácio de Andrada e Silva, em 17 de julho de 1823, assim como pipocaram notícias acerca do restabelecimento do absolutismo monárquico em Portugal, fatos que aumentaram a temperatura política no país, em geral, e no Rio de Janeiro, especificamente.

A crescente dissociação entre Assembleia e Imperador motivada pelas desconfianças mútuas, o aumento do antilusitanismo, que acabou por forçar Dom Pedro I a retirar do governo provisório dois ministros nascidos em Portugal, e uma crise militar entre a guarnição do Rio de Janeiro e deputados que haviam criticado a tropa levou ao golpe, ao primeiro golpe político e militar da história do Brasil, quiçá. A Constituinte foi fechada no dia 12 de novembro, vários deputados foram presos, inclusive os irmãos Andrada e Silva, e ficou no ar a promessa do Imperador de dar ao país uma Constituição “duplicadamente liberal” em relação ao projeto em tramitação na Assembleia.

A primeira Constituição brasileira seria outorgada apenas em 25 de março de 1824, tendo abarcado, sob a intransigente supervisão do Imperador, como dito por Afonso Arinos de Mello Franco, fortes influências das partes iniciais da Constituição francesa de 1791, das partes dispositivas da Constituição francesa de 1795 e dos aspectos formais da Constituição francesa outorgada por Luís XVIII na época da Restauração.

ORIGINALMENTE ESTE CONTEÚDO FOI PUBLICADO NO JORNAL IMPRESSO*

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