Era um cidadão exemplar, um chefe de família perfeito, um trabalhador de sol a sol, daqueles que, quando alguém lhe perguntava sobre o que ele tinha, respondia de pronto: tenho o dia para trabalhar e a noite para descansar.
Era assim que vivia sua vida, nada era mais sagrado para ele do que a certeza de que seus filhos e sua companheira não passariam fome jamais e que de que sempre teriam o que vestir. O básico não lhes faltaria nunca, mercê do trabalho digno e honrado daquele homem, cuja vida se resumia a trabalhar, trabalhar e trabalhar. Falar em férias, descanso, viagens ou lazer com ele, era absolutamente impensável, não fazia parte da sua paisagem, muito menos do seu cronograma de vida.
Anos a fio se passavam e a vida seguia o mesmo ritmo e o mesmo rumo. O trabalho lhe rendera considerável aumento patrimonial, os filhos concluíram seus estudos, cursos especializados e de nível superior levaram-nos para longe dos pais. Tiveram êxito nas suas vidas profissionais, foram ganhar o mundo em lugares distantes, enfim, fizeram aquele ciclo natural da vida que pertence aos jovens sonhadores e inquietos.
Com o passar dos anos, a vida começou a cobrar daquele cidadão já idoso, outros reparos que até então ele não vivera. As primeiras consultas médicas, uma babilônia de exames laboratoriais e outros tantos exames de imagem, as hospitalizações, tudo a revelar que a sua saúde estava abatida de forma precária, os primeiros sinais assim deixavam clara as suas insuficiências, e a cada dia que passava, a necessidade de visitas aos médicos aumentava.
Chegou então o triste tempo em que, para locomover-se dependia de terceiros, quando não de sua companheira, de um cuidador ou cuidadora que lhe dispensasse atenção permanente. Por vezes fazia uso de andador, outras vezes de uma bengala, acompanhada das restrições que são impostas pela idade avançada. A memória começou a ser afetada, esquecia o nome dos filhos por momentos, outras vezes não sabia sequer onde estava, embora dentro do seu lar na convivência diária.
Sentia-se envergonhado diante do alto grau de incapacidade que tomou conta da sua figura. Nunca esteve preparado para largar suas atividades de labuta diária, achava que era eterno no seu ofício, agia como um imortal.
Mas não era!
Em determinado dia da sua então sofrida vida, isolou-se dos demais, pensou horas a fio, refletiu e tomou talvez a decisão mais custosa de sua vida. Entendeu que não valia mais a pena continuar vivendo daquele modo, dando trabalho para os outros e ao mesmo tempo sentindo-se inútil para os atos da sua vida de cidadão.
Quando deram por sua ausência era tarde, encontraram-no morto, havia se suicidado. Triste fim de caminhada escolhido para ele, por demais dolorido aos que estavam ao seu redor.
A questão colocada é: qual seria o sentimento que toma conta de uma pessoa para chegar a essa decisão? Será preciso ter mais coragem para tirar a própria vida, ou é um sinal de covardia?
“O suicida não é covarde, apenas não encontrou outro modo para matar uma dor que o matava todos os dias.” SEAN WILHELM.