Direito Constitucional Pós-Moderno

Já escrevemos aqui neste espaço, noutra assentada, acerca da obra “Democracia para quem não acredita” (editora Letramento), de autoria do Professor Georges Abboud. Ele, como lá consignamos, é um convicto defensor da democracia e da possibilidade de uma existência coletiva que permita a todos, indistintamente, o acesso a uma vida digna. Ele é professor da PUC-SP e do IDP (DF e SP). É Mestre, Doutor e Livre-Docente. Trata-se, sem dúvidas, de um crente na potência da educação, assim como nós outros o somos. Advogado e consultor jurídico, também é autor de várias outras obras, dentre as quais os livros “Processo Constitucional Brasileiro” e “Direito Constitucional Pós-Moderno”, ambos publicados pela Thompson Reuters (RT).E é desta publicação, pois bem, que falaremos hoje.

Em seu “Direito Constitucional Pós-Moderno”,Georges Abboud apresenta obra que discorresobre como é possível nascer, no âmbito do Direito, o que ele chama de “não-Direito”. Dentre outros fatores, “sabe-se, a criação de um inimigo ficcional e a oposição entre ‘nós’ e ‘eles’ é pilar”. E assim o é, as palavras são nossas aqui, porque traz, ao âmago do Direito e da sua interpretação-aplicação, uma lógica dicotômica de bem e de mal, dos puros contra os impuros, e, portanto, de um inimigo a combater. Isso, por sua vez, pelo Direito, é o começo do fim dele ou da sua autonomia.

Segundo o autor, a obra reconstrói, por meio de uma tríade, a relação entre jurisdição constitucional e autonomia do Direito. O pano de fundo dessa relação, segue o autor, demonstra como, desde a sua gênese, no século XX, a jurisdição constitucional tem evoluído e criado novos mecanismos para conseguir lidar com a crescente complexidade social e normativa. O livro, então é dividido em três partes bem definidas, quais sejam: o paradigma da degeneração (parte I), o paradigma da decisão (parte II) e, por fim, o paradigma da proceduralização (parte III).

A primeira parte é dedicada a expor o que o autor chama de (anti)paradigma da degeneração. O principal intuito é demonstrar “como a exceção promove, paulatinamente, a falência da democracia constitucional, mediante a utilização de ferramentas de destruição, a partir da compreensão de que o real risco para a democracia constitucional reside em aceitar como corriqueiras interpretações judiciais sem limites”. Daí, pois, que essa parte da obra visa comprovar como devemos proteger com a finco a democracia e o direito por ela produzido.

Nessa primeira parte, a mais impactante da obra, são trazidos exemplos vários, assim como vários alertas, de modo a demonstrar como um “direito não constrangido degenera” (as palavras são de Michael Stolleis). O autor demonstra os perigos da “fuga do Direito em direção à moral (subjetiva)”. Também demonstra quão perigosa é a prática de criar, pela via da interpretação jurídica, novas fontes do Direito”, tais como, por exemplo, critérios vagos ou abstratos de legitimação de determinadas práticas degeneradas, como a “vontade popular”, os “clamores populares”, a “vontade do povo”. Ao agir assim, toda e qualquer interpretação jurídica estará ignorando o papel contramajoritário da jurisdição, notadamente na proteção dos direitos fundamentais. E o que mais assusta aqui é que, há não muito tempo, vimos concretamente esse tipo de prática no Brasil, valendo lembrar, dentre outros exemplos, da própria “operação lava-jato” e das decisões judiciais que, até certo ponto, legitimaram muitas ações autoritárias dos seus agentes, justamente com lastro nesse tipo de “álibi retórico”, inclusive no STF.

Já a segunda parte da obra visa o exame do paradigma da decisão, onde o autor busca demonstrar “a ascensão da jurisdição constitucional, partindo do legislador negativo para chegar ao espaço de controle de atos normativos em sentido amplo, bem como de omissões dos demais poderes”.

E a terceira parte do livro examina as profundas modificações imprimidas na pós-modernidade, ao Direito e ao Estado, pela globalização e pelas novas tecnologias, analisando, enfim, a evolução do conflito para o paradoxo, “identificando e descrevendo a crescente judicialização de complexidades que não admitem solução por decisão judicial, porque o conhecimento para o seu enfrentamento não se encontra no próprio direito”.

A obra de Georges Abboud, como sói ocorrer, é referencial. E merece a leitura, especialmente por parte daqueles constantemente preocupados com a proteção da democracia e da autonomia do Direito, tal como é o caso deste que vos escreve.

ORIGINALMENTE ESTE CONTEÚDO FOI PUBLICADO NO JORNAL IMPRESSO*

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