Direito Eleitoral do Espetáculo

Já escrevemos aqui acerca do “Direito do Espetáculo” e, ao final daquela coluna, deixamos a seguinte pergunta: “poderíamos falar de um processo judicial eleitoral do espetáculo?”. A coluna de hoje será destinada a responder a pergunta formulada anteriormente. E acerca daquilo que chamamos de “Direito Eleitoral do Espetáculo”.

Começo por um Nobel de Literatura. Em 2012, o escritor peruano Mario Vargas Llosa lançou a obra “A Civilização do Espetáculo”, que veio apresentada como uma denúnciada vulgarização da cultura. O autor conceitua como “civilização do espetáculo” aquele mundo em que, como bem lembra Lenio Streck, o primeiro lugar na tábua de princípios vigente “é ocupado pelo entretenimento, em que se divertir, fugir do aborrecimento, é a paixão universal”. Logo, para o Vargas Llosa, esse é um fenômeno que poderia ser sintetizado na ideia de que, nos dias de hoje, a cultura já não é mais o mesmo com relação há alguns anos, tendo em vista que o conceito de cultura se estendeu de tal forma, que passou a abranger tudo. Assim, se a cultura é tudo, também, de alguma maneira, já não é mais nada. Trata-se, pois, de um valoroso ensaio contra a banalização da cultura, das artes e da literatura.

Em um contexto no qual a cultura cada vez mais se aproxima do entretenimento (ou do espetáculo), afastando-se, paulatinamente, de qualquer edificação que exija maiores esforços, reflexões e um saber crítico, não é difícil perceber que quem se dispuser a trilhar esse caminho alternativo ou, verdadeiramente, a resistir a esse senso comum marcado pela pirotecnia, tenderá a ser rejeitado ou a sofres represálias por parte da “crítica contemporânea” (sic). E isto, vale reiterar, não é novidade alguma para nós outros que, nada diferentemente, estamos sim imersos nesse palco enquanto sociedade, comunidade ou seres-no-mundo.

E o Direito Eleitoral, o que tem a ver com isso? Ora, não são raras as ocasiões em que verificamos, no bojo das práticas jurídicas, uma vontade de poder que faz com que o sistema jurídico acabe por ser enfrentado como um mero espetáculo. E, bem sabemos, no espetáculo não há(verá) espaço para direitos. O voluntarismo impera e, nesse caminho, a autonomia do direito vai dando espaço à arbitrariedade alheia.

Nessa lógica, o devido processo legal eleitoral é subsidiário. Isto é o de menos. O que importa é o ápice do espetáculo. E a aposta, por seu turno, é na exceção.Nessa lógica, os fins justificam os meios, quando, no âmbito jurídico, a máxima é exatamente o inverso, isto é: os meios justificam/legitimam os fins.Logo, se essa é a finalidade do processo eleitoral-espetáculo, pouco importam os meios utilizados para tanto, afinal, a condenaçãoé o desiderato a ser alcançado, e assim o é de modo a agradar os desejos de uma ávida(e com traços medievais) audiência.

Exemplos há, às pencas. Matérias jornalísticas espetacularizadas e sem o franqueio do contraditório (quando muito uma nota de rodapé), vazamento de sigilo de operações ou investigações, seletividade processual, fabricação de escândalos, manifestações adjetivadas, manipulações semânticas, utilização de uma lógica dicotômica de amigo-inimigo, de mocinho-bandido, de puro-impuro e afins. Tudo isso, no final das contas, acarreta, sobremodo, a inserção de instintos justiceiros na cena do Direito Eleitoral, externos (exógenos) ou mesmo internos (endógenos).

E esse fenômeno se agiganta, considerando que, vez ou outra, agentes políticos mesmo saem a panfletar manifestações judiciais ou a almejar transformar a Justiça Eleitoral em uma espécie de “terceiro-turno” eleitoral, ignorando direitos fundamentais e a soberania popular, apenas com ímpetos de tentar reverter o quadro desfavorável que a urna lhes impôs.

É nesse quadro, em definitivo, que se impõe, mais do que nunca, uma visão do Direito Eleitoral e do Direito Processual Eleitoral como um instrumento de garantia, quer do princípio democrático, da soberania popular e dos processos eleitorais, quer dos direitos e garantias dos atores envolvidos (candidatos, partidos políticos, coligações)quando em litígio judicial estiverem (o que não é raro, considerando a marcante judicialização dos processos eleitorais que permeia a contemporaneidade).

 

ORIGINALMENTE ESTE CONTEÚDO FOI PUBLICADO NO JORNAL IMPRESSO*

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