Democracia e partidos políticos

A história política brasileira é uma história de solavancos. Democracia, no caminhar dos acontecimentos desta Nação, foi, quiçá, gênero raro nas prateleiras da institucionalidade. Foi assim na Proclamação da República, um golpe militar, e na República Velha, ao ponto, dentre outros exemplos, de Arthur Bernardes ter governado à base de Estado de Sítio. A Nova República, a partir de 1930, surgiria também a partir de um golpe. Que se repetiria em 37, com o Estado Novo. Em 45, com a derrubada do Presidente Vargas. Em 54, com o fatídico suicídio. Em 55, com o “golpe legalista” do General Loth, que garantiu a posse do Presidente JK. Em 61, com a imposição do parlamentarismo. E em 64, com o golpe civil-militar que depôs Jango.

Agora, e os partidos políticos, onde ficam nessa marcha? Em seu “Da Democracia de Partidos à autocracia judicial”, Marcelo Ramos Peregrino Ferreiraapresenta tese cujo tema central repousa na democracia no Brasil, a partir de um corte pautado nas relações entre partidos políticos e a Justiça Eleitoral. A democracia, na referida obra, é vista em seu estrito recorte do processo de criação da lei e da participação popular nesse intento, tudo por meio dos partidos organizados. O objetivo da obra é determinar e tentar esclarecer os limites constitucionais e legais de atuação da Justiça Eleitoral e do Estado de Partidos e as suas respectivas funções no marco da Constituição de 1988, o que é feito a partir do exame da legislação (parlamento), da doutrina (pensamento) e da jurisprudência (tribunais).

Para tanto, a obra é dividida em cinco capítulos: no primeiro o autor expõe a fundamentação daquilo que ele chama de “Estado de Partidos” e a sua relação com a soberania popular; no segundo são expostas críticas aos partidos políticos; no terceiro o autor apresenta um percurso histórico dos partidos na tradição política e institucional brasileira, do Império à Constituição de 88; no quarto a Justiça Eleitoral vem à tona; e no quinto, e último, o autor desenvolve o título da obra, apresentando alguns problemas nessa relação entre JE e partidos políticos.

Para quem gosta de história, tal como este que vos escreve, o terceiro capítulo é um prato cheio. Marcelo apresenta nele uma reconstituição histórica dos partidos políticos pela legislação nacional, desde o Império até a Constituição que vigora hoje no país. A história, segundo o autor, faz-se muito necessária para esclarecer as instituições, no que concordo plenamente. Essa história, nos termos da obra, permitirá uma mais apurada compreensão da evolução desses institutos na concretude nacional, levando-se em consideração a normativa de cada período.

Trata-se, e o livro expõe muito bem o caminhar, de um passo acidentado e com graves interrupções, o que poderia ser conceituado como uma síntese da vida partidária nacional. A herança liberal dos partidos e eleições no Império veio desacompanhada da progressiva ampliação da participação popular, afirma o autor. Ao revés, segue, os partidos políticos, ausentes em programas ideológicos e abundantes nas tramas de poder personalistas foram instrumentos de dominação no Segundo Reinado, República Velha e durante toda a ditadura. Os partidos, e a constatação é forte, mas correta, só vieram mesmo a se viabilizar como meio de representação política nos curtos períodos de 1946 e pós 1979.

A República Velha, espaço da política dos governadores, não reconheceu os partidos políticos, vistos como meras associações. A Constituição de 46 mantém, de certa forma, a frialdade quanto aos partidos. Nesse período, porém, partidos nacionais vieram à tona, como o PTB, o PSD e UDN – o último, digo eu, com forte veia golpista, todavia. A ditadura militar se aproveita dessa fragilidade e da polarização política para interromper a institucionalização dos partidos. E impõe, à fórceps, um bipartidarismo entre ARENA e MDB. Em 1979 vem a anistia. E o pluripartidarismo. Já em 1988 chega-se ao acerto de contas com as liberdades públicas. E os partidos políticos são tratados expressamente como marcos constitucionais e institucionais, com o monopólio das candidaturas e, ainda, como que a materializar o canal de comunicação entre poder e povo, entre representantes e representados.

Se eles, os partidos, têm alcançado tal desiderato, é outra história. Mas a importância deles foi plenamente reconhecida na Carta de outubro de 88. Por essas e outras, no fim das contas, a obra de Marcelo Peregrino é de leitura obrigatória a todos que se preocupam com a democracia brasileira.

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