TRIBUNA LIVRE

Eremitas e vacinas

* Samuel Saliba Moreira Pinto

Há alguns meses foi noticiado que um eremita de 70 anos se vacinou na Sérvia. Disse “não entender as queixas de alguns céticos” e acreditar “em um processo que busca erradicar as doenças”.

Eremitas e vacinas são empiricamente verificáveis. Temos uma noção do que sejam, cada qual com uma figuração, mas há uma base do que seja uma pessoa que vive isolada e um produto que protege de infecções.

Belo, justo etc, não. Disso não se sucede que não existam. Existem, mas sem uma (adequada) definição a priori. Há, pois, belos, mas não há um belo universal. Mesma coisa com a liberdade, cuja definição poderia ser negativa: conheço-a na sua ausência.

A razoabilidade para um juiz belga, um esquimó, um aborígene australiano e um físico uruguaio seguramente apresentará variações. Proporcionalidade idem. O que pode ser proporcional para alguém com 90 anos talvez não seja para alguém com 9. A linguagem é indeterminada.

E os conceitos de liberdade e liberalismo são bastante disputados. Moralidade também.

Não falarei nestas breves linhas sobre as associações comumente feitas entre “liberalismo” e “Direita”, e “anti-liberalismo” e “Esquerda”, com todas as aspas possíveis. As imprecisões são muitas e perturbadoras. Posta-se muito e lê-se pouco.

No cenário pandêmico a liberdade é eventualmente utilizada como fundamento para a recusa em tomar vacinas. Algo incompatível com a vida em sociedade.

Vacinas diferem de tatuagens: há um direito em não ver o próprio corpo desenhado, mas não há um direito (absoluto) em não ser vacinado ou usar máscara, especialmente porque uma pessoa nessas circunstâncias – e que não seja eremita – afetará esferas jurídicas alheias. Algo inconcebível em uma perspectiva liberal.

Dito de outra forma, tenho direito de frequentar lugares públicos em que haja pessoas vacinadas e mascaradas, dada a pandemia. E não há um direito de infectar os outros. A rigor, só o eremita é que pode(ria) não se vacinar e andar sem máscara. E como visto na aurora do texto, há eremitas vacinados.

* Advogado, graduado em Direito pela Urcamp/RS e mestre em Direito pela Unisinos/RS

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