SUPERAÇÃO

Família de Candiota tem quatro integrantes com transplante de rim

Fé em Deus foi um dos pilares da família durante todos os processos

Miguel Viana, entre as filhas Prisciele e Dieissieli Foto: Silvana Antunes TP

Quando o assunto é algum problema de saúde a tensão toma conta e o pensamento fica a milhões. Medos, angústias e ansiedade costumam caminhar lado a lado. Quando se fala em transplante, o susto aumenta diante das incertezas impostas, trazendo abalos e tristezas. Mas, para uma família de Candiota, a fé em Deus e na cura, moveu montanhas e proporcionou que os dias atuais sejam somente de alegrias pelas vitórias alcançadas.

A reportagem do Tribuna do Pampa, traz a história de Miguel Viana da Silva, 60 anos, da esposa Tania Teresinha de Moraes da Silva, 57 anos, e dos filhos Moassés de Moraes da Silva, 33, Prisciele de Moraes da Silva Garske, 29, Dieissieli de Moraes da Silva, 28 e de Ronissés de Moraes da Silva, 23. Destes, quatro já foram submetidos a transplantes de rins.

O primeiro a ser submetido ao transplante foi o patriarca da família. Miguel contou a reportagem que o problema renal foi detectado em 2001, aos 39 anos, quando ainda residia na cidade de Ijuí, após apresentar alguns sintomas como fraqueza e falta de ar. “Foi constatada insuficiência renal crônica nos dois rins e tive que começar a fazer hemodiálise. Durante quase 2 anos fiz o procedimento até entrar na fila para o transplante, período que durou mais cerca de um ano. Foi uma espera angustiante, pois ouvia falar em hemodiálise mas até então não sabia o que era. Para prosseguir na vida tinha que passar pelo procedimento. Meus filhos pequenos, era um sofrimento, porque ia para a hemodiálise, mas não sabia se iria voltar. Com o tempo me acostumei, e em 2004 fiz o primeiro transplante, aos 42 anos”, relatou.

O procedimento de Miguel durou 15 anos, sendo necessário passar por um segundo transplante. “Comecei a apresentar alguns sintomas e a creatinina estava baixa, mas subindo muito rápido. Fiz novos exames e recebi a notícia que teria que voltar para a hemodiálise, por volta de 2018, foi um desespero, pois contava que iria durar para o resto da vida. Nesta época já estava na fila, novamente, para o transplante e logo fui chamado, bem no forte da pandemia de Covid-19, no dia 24 de março de 2020. Passei pela cirurgia, surgiram algumas complicações, mas no fim deu tudo certo. Quando recebemos a notícia parece que colocam um muro em nossa frente, ficamos por um tempo sem saída, porque muitas pessoas ficam por muitos anos esperando na fila por falta de compatibilidade com doadores, alguns perdem a vida, mas hoje, dizem que sou um cara de fibra, pois passei por dois transplantes, tenho três filhos transplantados e estou aqui. Mas digo que confio em Deus, minha esperança sempre foi Ele, me sinto muito feliz por tudo ter dado certo”, manifestou.

A descoberta da doença e o transplante nos filhos

Após o procedimento de Miguel, o filho mais velho, Moassés – que atualmente reside em São Paulo -, apresentou sintomas semelhantes ao pai, fato que levou os médicos a uma investigação mais aprofundada quanto à genética familiar. “Foi constatado que era genético e que todos os meus filhos poderiam apresentar o mesmo problema de saúde. A partir daí, todos começaram a ser monitorados. Fiquei muito preocupado, pois eu não queria isso para meus filhos”, explicou Miguel, que atualmente é aposentado em decorrência dos problemas de saúde.

Por residir em outro estado, o TP conversou com a família, que contou um pouco da história de Moassés. “Ele descobriu em 2015 quando apresentava os mesmos sintomas do pai, mas na época nem se pensava que poderia ser o mesmo problema renal. Em consulta aqui em Candiota, houve a hipótese e depois alguns exames confirmaram a insuficiência renal. Logo ele começou a fazer hemodiálise e em final de 2017 conseguiu o transplante. Em seguida foi embora com a esposa e os dois filhos para São Paulo, onde tem uma vida normal”, relatou a irmã Prisciele.

Moassés reside atualmente em São Paulo e foi o primeiro filho a passar pelo procedimento Foto: Arquivo Pessoal/Especial TP

Prisciele, que na época que o irmão fazia hemodiálise, já residia em Alegrete, contou ao jornal que após saber que o problema era genético e que ela e os outros irmãos também poderiam ter, surgiram medos. “Ninguém fez exames, mas já tinha casado e planejava ter filhos. Engravidei em 2016 da Lívia – hoje com 5 anos – e nos primeiros exames já apareceram alterações. Durante a gestação, além do acompanhamento com meu ginecologista, tive também com uma médica nefrologista. Foram muitas incertezas, inclusive recebi a notícia que talvez não conseguisse ter minha filha. Entrei em desespero, pois não sentia nada, a doença é silenciosa até apresentar problemas graves. A gravidez já causa alterações e devido a doença, essas alterações foram maiores”, contou.

Ela relatou que a aceitação da hemodiálise demorou. “Eu dizia que ia ter minha filha e que o resto deixaria com Deus. Com 30 semanas tive que fazer uma cesária, pois meu problema renal estava causando problemas na minha filha. Ela nasceu com 890 gramas e 34 centímetros, ficou internada durante um período, foi o pior momento. Também fiquei internada porque minha creatinina estava alta. Já com minha filha com um ano e meio de idade e eu com 25 anos comecei a realizar hemodiálise, não tive muito sofrimento porque comecei sem apresentar muitos problemas. Foi um período até que considerado tranquilo, mas desenvolvi crises de ansiedade. Sempre tive fé que iria fazer o transplante e iria ficar tudo bem. O transplante ocorreu em dezembro de 2019, sendo motivo de alegria”, relatou a jovem, afirmando que seu único medo era a preocupação com a filha.

A última a receber o transplante foi Dieissieli, há cerca de um mês. Ainda tomando diversos cuidados, ela falou a reportagem sobre sua descoberta da doença e a ligação com a confirmação do transplante. “Comecei a fazer acompanhamento, inclusive uma biopsia em Porto Alegre, pois sabia que poderia ter, mas nunca passa na cabeça que vai ser aquele ano. Levava uma vida normal, fazia academia. Em um exame a creatinina se mostrou alterada, mas só sentia sono e um pouco de cansaço. Mesmo com o histórico familiar não me passou pela cabeça naquele momento que também se tratava de problema renal. Mas pra mim o processo foi mais rápido, em dezembro do ano passado precisei começar a fazer hemodiálise e agora em junho, fiz o transplante. Em oito dias voltei pra casa e estou muito bem. O pior de tudo é ver as pessoas ruins e até mesmo morrerem, sendo inevitável também, em alguns momentos pensar em quanto tempo iria ficar ali”, relatou.

Ao contrário dos outros familiares, Dieissieli contou ao TP ser a única a saber quem foi seu doador. “Só nos é repassado a idade, naturalidade, características do órgão e qual foi a morte da pessoa. Mas mês passado estava em casa e vi a notícia de um acidente de um jovem e que iriam doar os órgãos. Na madrugada tentaram contato comigo em razão de eu ser compatível, mas sem sucesso. Meu irmão me ligou de São Paulo me dando a notícia no fim da madrugada e no mesmo dia fui para Porto Alegre. Com todas as informações foi possível saber quem era o doador. Hoje sou feliz por ter essa oportunidade apesar do momento de dor da outra família”, expôs a jovem.

Prisciele deixa uma mensagem a quem está na lista de espera por um transplante. “Não perca a fé, tua hora vai chegar”.

MONITORAMENTO – A família relatou ao jornal que atualmente vive uma vida considerada normal, sendo necessário apenas uso de medicamentos e acompanhamento médico. “Controlamos um pouco a alimentação, evitando comidas fortes, sal em demasia e alimentos crus para evitar bactérias, e para o resto da vida precisamos tomar uma medicação que é fornecida pelo Estado devido ao custo elevado. Também, de forma regular, precisamos passar por consultas e exames para ver se tudo está dentro da normalidade. Mas estamos muito felizes, pois estamos todos com saúde”, afirmou Miguel.

O filho mais jovem de Miguel, Ronissés, de 23 anos, até o momento não apresentou problemas, mas conforme a família, regularmente o jovem passa por monitoramento.

O TP também questionou acerca dos netos de Miguel. De acordo com Prisciele, há 50% de chance dos filhos também desenvolverem o problema. “Ainda não sabemos como vai ser no futuro, já cuidamos desde agora, mas sabemos que há chances. Torcemos para que isso não ocorra”, disse a mãe da pequena Lívia.

A importância da doação de órgãos

Prisciele, ao fim da entrevista, falou da importância da doação de órgãos. “Para muitos ainda é um assunto complicado, pois na maioria das vezes é em um momento de dor que a família precisa decidir, mas é importante lembrar que outras vidas serão salvas”, destacou.

A doação de órgãos é um ato por meio do qual podem ser doados partes do corpo, sejam órgãos ou tecidos de uma pessoa – chamada de doador, para serem utilizados no tratamento de outra pessoa, o receptor, com a finalidade de reestabelecer as funções de um órgão ou tecido doente. A doação é um ato muito importante e o indivíduo que esteja necessitando receberá o novo órgão por meio da realização de um processo cirúrgico denominado transplante. De um doador é possível obter vários órgãos e tecidos para realização do transplante. Com isso, inúmeras pessoas podem ser beneficiadas com os órgãos e tecidos provenientes de um mesmo doador.

No Brasil, a doação de órgãos e tecidos só será realizada após a autorização familiar. É importante que a família saiba do desejo de doação de órgãos, para que após a morte, os familiares possam autorizar, por escrito, a doação dos órgãos e tecidos. Os órgãos doados vão para pacientes que necessitam de um transplante e estão aguardando em lista de espera. A lista é única, organizada por estado ou região, e monitorada pelo Sistema Nacional de Transplantes (SNT). Segundo o Ministério da Saúde, em 2021, apenas 61% das famílias brasileiras autorizaram a doação de órgãos.

A morte de um ente querido é sempre uma situação difícil para toda a família, mas é justamente nesse momento de perda que o sofrimento pode ser transformado em um ato de esperança ao dar uma nova vida para pessoas que aguardam em lista de espera por um transplante de órgãos ou tecidos. Existem dois tipos de doadores, o vivo, que é a pessoa maior de idade e juridicamente capaz, saudável e que concorde com a doação, desde que não prejudique a sua própria saúde. Um doador vivo pode doar um dos rins, parte do fígado, parte da medula ou parte dos pulmões, sendo necessária a compatibilidade. Para doar órgão em vida, o médico deverá avaliar a história clínica do doador e as doenças prévias. Pela legislação, parentes até o quarto grau e cônjuges podem ser doadores. Não parentes, só com autorização judicial. O segundo doador é o já falecido, que é qualquer pessoa com diagnóstico de morte encefálica (vítimas de catástrofes cerebrais, como traumatismo craniano ou AVC (derrame cerebral), ou com morte causada por parada cardiorrespiratória. O doador falecido pode doar órgãos: rins, coração, pulmão, pâncreas, fígado e intestino; e tecidos: córneas, válvulas, ossos, músculos, tendões, pele, cartilagem, medula óssea, sangue do cordão umbilical, veias e artérias.

De acordo com os órgãos de Saúde é importante a família saber do desejo de ser um doador de órgãos

* Originalmente este conteúdo foi publicado no jornal impresso

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