Futebol 7×1 Racismo

*Adoniran Lemos Almeida Filho

Esta semana um fato sur­preendente ocorreu em uma partida de futebol da milionária European Champions League, em um jogo do poderoso PSG, de Neymar & Cia., contra os turcos do Istanbul Basaksehir. Eu sei, eu sei, o nome é impronunciável…

Mais um episódio de RA­CISMO. Mas o que surpreendeu não foi o ato explícito de racismo em si, cada vez mais corriqueiro, tanto nas atividades desportivas quanto fora delas, muito embo­ra algumas personalidades de dentro do esporte – e também de fora dele – neguem ou ten­tem minimizar a sua existência. O que surpreendeu, nesse caso específico, foi a postura adotada pelos jogadores de ambos os times, os quais simplesmente aban­donaram a partida. Sim, os 22 jogadores, suplentes e comissões técnicas abandonaram o campo de jogo, em protesto. E a partida não prosseguiu, precisando ser remarcada para outra data. O meu amigo Diego Ribeiro, após o episódio, teve uma ideia genial: sempre que ocorrer um ato de racismo em uma partida de futebol, seja de torcedores, jogadores, árbitros ou dirigentes, a partida é encerrada e o time “causador” perde por 3×0. Ideia simples e ao mesmo tempo genial, pelo conteúdo educativo, pois torcedor de futebol só aprende quando o SEU time é punido, infelizmente.

Já eu, fiquei imaginando quanto tempo deve ter demorado para que patrocinadores e detentores dos milionários direitos de televisionamento da partida tenham ido até a sede da UEFA, na sim­pática cidade suíça de Nyon, reclamar dos prejuízos causados pela interrupção de uma partida pela qual pagaram milhares e milhares de euros. Sim, pois mais do que faixas, cartazes e “frases prontas”, quando entra dinheiro na parada é que a “porca entorta o rabo”…

O fato é que o esporte sempre foi um espaço propício para o engajamento de manifestações contramajoritárias, não apenas em relação ao racismo. Isso porque o esporte vem apoiado em uma lógica diversa da dos costumes sociais: uma vez que o árbitro apite o início do jogo, ou que dê a largada da corrida, a cor da pele perde totalmente a importância (para quem dá importância a isso) e passa a ser valorizado, exclusivamente, o mérito esportivo. O melhor ven­ce e é apupado, endeusado, idolatrado. Não fosse assim e Jesse Owens não teria outra oportunidade, em nenhum outro palco que não a pista atlética do Estádio Olímpico de Berlim, para humilhar Adolph Hitler e sua ridícula ideia da supremacia ariana. O que explica, por sua vez, a resistência feroz em aceitar o ingresso dos primeiros negros no esporte de alto rendimento, pois ingressando fatalmente triunfariam, teriam que ter o seu valor reconhecido. Por isso, melhor deixá-los de fora, custe o que custar, doa a quem doer.

Quem ainda não teve a oportunidade, assita ao filme “42 – A História de uma Lenda”, sobre a vida de Jack Roosevelt Robinson, o primeiro jogador negro a ser aceito (ou melhor, imposto goela abaixo) na liga de basebol norte-americana. O filme ilustra bem essa ideia de que não se podia deixar o primeiro negro ingressar, senão, depois viriam os outros… Não por acaso a camisa 42, que era a camisa dele no Brooklyn Dodgers, é a única camisa aposentada do basebol americano. Honraria nunca mais concedida a nenhum outro jogador.

Mas você não quer ir tão longe? Bom, então recomendo recente livro contando a história da Liga Nacional de Football Porto­-Alegrense, jocosamente apelidada – por motivos óbvios – de “Liga da Canela Preta”, fundada em 1920 e que dá nome ao livro, a qual congregava os jogadores negros que não eram aceitos pelos de­mais clubes de futebol aqui da nossa Capital. Ou a história linda do Clube de Regatas Vasco da Gama, o qual em 07 de abril de 1924 assinou famoso manifesto comunicando a sua recusa em disputar o campeonato carioca sem seus jogadores negros. O documento está até hoje exposto na Sala de Troféus do clube. Iniciativa pioneira que levou o historiador Luiz Antônio Sima a afirmar que a história do Vasco deveria ser estudada nas escolas junto com a Proclamação da República e a Abolição da Escravidão.

Mas nem tudo são flores. Pelé até hoje é acusado de não ter aproveitado a sua fama para se engajar publicamente frente ao racismo. O jornalista e escritor Mário Filho – esse mesmo, que dá o nome oficial ao Estádio do Maracanã: Estádio Mário Filho –, no seu aclamado “O Negro no Futebol Brasileiro” explica, sem precisar recorrer ao chavão de que “era outra época”, que Pelé se posiciona­va contra o racismo todos os domingos, quando entrava em campo e trazia junto consigo todos os negros, pobres e desfavorecidos, que ao se identificarem com ele começavam a dar um passo à frente. Também o “Pelé do Basquete”, o genial Michael Jordan, não passou incólume quando em 1990 deixou de atender a um pedido da própria mãe, para apoiar publicamente o candidato negro ao Senado pelo Estado da Carolina do Norte, Harvey Gantt (do Partido Democrata), contra o candidato à reeleição, assumidamente racista e segregacionista, Jesse Helms (do Partido Republicano). Jordan negou-se a apoiar o desafiante e ainda disse que “republicanos também compram tênis”. Helms foi reeleito. A história vem contada em mínimos detalhes no quinto episódio do imperdível documentário “O Último Arremesso”, disponível na Netflix. O ex-Presidente Barack Obama foi convidado a se manifestar sobre o ocorrido e falou o que achava da atitude de Jordan; sem meias palavras. Ficou curioso? assista ao documentário.

E saia de campo sempre que se sentir desconfortável frente a uma situação que não lhe represente…

Boa semana e até a próxima!

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