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Jovem autista se forma no ensino médio em Candiota

Tais Ritta tem 21 anos e se formou em 2023

Tais tem 21 anos e foi alfabetizada no último ano do ensino médio Foto: J. André TP

O último dia 2 de abril, foi marcado por ser o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, também conhecido como Transtorno do Espectro Autista (TEA). Para marcar a data, nesta edição iremos contar a história da mãe Cristiane Ritta e da filha Tais Ritta Viegas, 21 anos, que é autista e foi alfabetizada no último ano do ensino médio, em Candiota.

 

A DIFERENÇA

 

Como é muito dito pelas pessoas, crianças não devem ser comparadas com outras crianças, mesmo que tenham a mesma idade, pois cada pessoa tem o seu tempo e o seu modo de aprender as coisas. Pensando nisto, Cristiane nunca teve a intenção de comparar a filha, mas logo cedo percebeu que de alguma forma ela era diferente. Quando pequena, Tais só gostava de uma brincadeira, gritava muito e tinha um comportamento diferenciado. “Ela só vivia no mundo dela, não me escutava, brincava com as mãos, balbuciava algumas coisas em frente ao espelho, e só prestava atenção em alguém se cantasse uma música específica da Xuxa que ela gostava bastante”, relembrou, dizendo que a aceitação foi muito difícil por parte do pai.

Logo percebendo que a filha precisava de um tratamento especial, Cristiane foi em busca de ajuda no Centro de Reabilitação e Apoio (CRA), e Tais começou a receber atendimento de uma psicóloga, que segundo a mãe, foi fundamental para o começo de todo o processo que teriam que enfrentar. “Quando ela e o irmão começaram a ir para a escola, os professores me questionavam bastante e falavam que tinha algo errado, e então eu comecei a correr atrás”.

Com o auxílio de profissionais, logo no início a jovem foi diagnosticada com a Síndrome de Rett, que segundo o site Muitos Somos Raros, tem como principal característica a regressão ou desaceleração do desenvolvimento da criança por volta do primeiro ano de vida. Além disso, ela também recebeu o diagnóstico de esquizofrenia, sendo que a mãe sempre acreditou que realmente fosse autismo. “A trajetória dela foi muito complicada, desde aprender a caminhar, o desfralde e a fala. Ela não me chamava de mãe, apenas pelo meu nome mesmo”.

 

ENSINO

 

Em relação ao ensino, Cristiane disse que tudo foi com muito tempo e calma, e que contou com a ajuda de muitos profissionais que foram fundamentais para o processo de alfabetização de Tais. Durante a conversa, ela relembrou uma consulta que teve com a filha ainda criança, e que o médico, na ocasião, informou que ela não teria noção do que seria uma caneta e que isso a deixou bastante desapontada. “Quando ela entrou na escolinha a professora me perguntou sobre o que eu esperava, e eu disse que se ela entrasse em pelo menos 50% da realidade já seria ótimo. E de repente eu comecei a pedir as coisas pra ela pegar, como a mamadeira, o copo e até mesmo uma almofada, e ela começou a entender e pegar e isso foi um grande avanço para nós duas”, comemorou.

Em conversa com a professora do Atendimento Educacional Especializado (AEE) da Escola Estadual de Ensino Médio Jerônimo Mércio da Silveira, Lisiane Barcellos, que foi uma das principais peças para a alfabetização de Tais, ela contou que começou a trabalhar com a aluna em 2021, durante a pandemia da Covid-19 por meio das aulas à distância. “Conheço ela desde criança e sempre teve muita vontade de aprender, muito pontual, assídua e responsável”, destacou, dizendo que ela já conhecia o alfabeto, as sílabas simples e sons, mas que tinha dificuldade em juntar os sons para realizar uma leitura de forma satisfatória e com compreensão.

“Para consolidar a alfabetização, Tais acima de tudo precisou aprender a ser autoconfiante e entender que já sabia ler. Foi estimulada com leituras, atividades de escrita, uso do computador e tudo relacionado com situações do dia a dia”, explicou a profissional, comemorando que o resultado foi obtido no terceiro ano do ensino médio. “Muitas pessoas criticam a insistência na alfabetização a longo prazo, mas como professora acredito que saber ler e escrever é libertador”, pontuou, reforçando que a aluna ensinou muito a equipe e que já deixou saudades na escola, ressaltando que é uma pessoa inspiradora e capaz de muito mais. “Todo o ser humano é capaz de aprender dentro das suas possibilidades e habilidades. O AEE existe para romper as barreiras que impedem o aprendizado do aluno e colabora através do diálogo com os professores da sala comum, pais e atendimentos fora da escola. É desafiador, mas uma experiência incrível”.

O diretor da escola, professor Hermes Delgado, destacou que para a direção do educandário o avanço da ex-aluna é motivo de orgulho, principalmente por saberem que fizeram parte desta caminhada tão importante. “Ao entregar o certificado na formatura, nos emocionou e nos fez refletir o quanto é importante o nosso papel e como é grande a nossa responsabilidade na formação dos alunos autistas”, disse o professor.

Já a mãe destacou que por mais que cada fase seja mais demorada, foi muito emocionante ver a filha lendo pela primeira vez e que sempre é um sentimento diferente. “Tudo são ciclos, mas como mãe, minha preocupação sempre está em como vai ser o dia de amanhã, porque não é fácil, mas ao mesmo tempo é gratificante e inspirador”, comentou, dizendo que acredita muito na espiritualidade, e por isso sabe que tudo tem um propósito de Deus e que é preciso enfrentar. “Quando ela começou na escola tudo era complicado, foi difícil conseguir uma monitora para acompanhar, mas acredito que hoje tudo esteja melhor e mais tranquilo de resolver”.

Tais se formou no final de 2023, e além dos diagnósticos apresentados, durante a adolescência ela também começou a apresentar quadros de epilepsia. Ao finalizar, Cristiane disse que a filha sofre se a sua rotina passa por alteração, e que ainda tem características fortes do autismo, mas que todo dia é uma nova vitória e um novo aprendizado.

Cristiane disse que a filha é uma inspiração Foto: J. André TP

EDUCAÇÃO ESPECIAL

 

Sobre a alfabetização da aluna ter sido alcançada no último ano do período escolar, a professora Lisiane explicou que, o aluno que faz parte do público-alvo da educação especial, é amparado por lei a ter uma adaptação curricular. Desta forma, o estudante vai receber atividades adaptadas de acordo com o seu nível de aprendizagem, e se corresponder dentro deste nível de aprendizagem e avanços, continuará avançando juntamente com a sua turma. “Então, um aluno que é frequente e realiza as suas atividades, mesmo com deficiência, vai ser aprovado por ser avaliado dentro das suas habilidades e possibilidades”, explicou, informando que foi desta forma que Tais se alfabetizou no ensino médio.

ORIGINALMENTE ESTE CONTEÚDO FOI PUBLICADO NO JORNAL IMPRESSO*

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