“La Copa se mira…” (parte I)

*Por Adoniran Lemos Almeida Filho

Está programada para este mês de setembro a retomada dos jogos da Copa Libertadores da América. E a pretexto de festejar a retomada da maior competição de clubes do continente, vou contar, então, a história daquele que, na minha opinião, é – e sempre vai ser – o MAIOR JOGO DA HISTÓRIA DO GRÊMIO. Mas não consigo falar do Grêmio sem antes lembrar do meu avô, figura ímpar com a qual tive o prazer de conviver mais de perto, o qual liderava pelo exemplo e cativava pelo gesto. Um gremista fervoroso. E que sabia contar uma boa história. Homem de memória privilegiada, que refinou o talento da oratória, ora fazendo júris como Promotor de Justiça, ora discursos como Prefeito, e que adorava reunir os netos. Em uma época sem celular, internet ou tevê a cabo, a diversão era garantida. E havia dois temas que lhe eram particularmente caros. O primeiro, sobre como ele, um homem de instrução primária incompleta, casado e com filho pequeno, resolveu, por incentivo e insistência da minha avó, retomar os estudos, conseguindo, ao final do prazo exato de 10 anos e sem nunca ser reprovado, colar grau em Direito na UFRGS. Aceito primeiramente no Colégio Anchieta, em Porto Alegre, e depois aprovado no aparentemente impossível vestibular da UFRGS, em um tempo em que para acessar a Faculdade de Direito era preciso se submeter, dentre tantas outras, a provas orais de Latim, Língua Francesa e Língua Inglesa… Algo aparentemente improvável para, como ele gostava de dizer, um aluno de quarto ano primário. Mas o meu avô conseguiu vencer. E adorava rememorar as epopéias que marcaram essa vitória. Talvez daí tenha advindo a devoção que ele dedicava ao estudo. Um homem que podia se vangloriar de tantas coisas mas que ficava genuinamente feliz e realizado quando falava dos êxitos escolares e acadêmicos dos netos. Nada o deixava mais feliz. Eu mesmo, em mais de uma oportunidade, me vi sendo o tema para alguma conversa. Lembro especialmente de uma, quando meu avô contava orgulhoso ao seu primo, o Hélio Dourado, vitorioso ex-Presidente e eterno 3º Patrono do Grêmio, sobre algum êxito meu na escola que talvez, em um momento de exagerada liberalidade poética, possa ter se tornado maior na história do que parecera a mim mesmo. Lembro de tê-lo interrompido, “Vô, não foi bem assim”, e de ser repreendido com aquela generosidade que o caracterizava, o que me rendeu mais duas grandes lições, dentre as tantas deixadas pelo meu saudoso avô: a primeira, para não ser tão modesto; e a segunda, para aprender a ouvir mais e falar menos, e especialmente a não interromper os mais velhos quando estão falando. Lição preciosa, a segunda, na medida em que hoje consigo perceber o tamanho da minha tolice no episódio, afinal “só o tolo fala; o inteligente ouve; e o sábio cala”.
Já a segunda grande pauta das histórias do meu avô era, naturalmente, o GRÊMIO. Algumas, em particular, eram contadas e recontadas em mínimos detalhes. Por exemplo, sobre como o Gessy – o maior jogador que ele dizia ter visto jogar – acabara com o Boca Juniors, em um jogo na Argentina, marcando os quatro gols de uma vitória por 4×1 em plena Bombonera; ou sobre a mística em torno dos “gols de virada” do Luis Carvalho; sobre o dia em que o Oberdan botou o dedo na cara do Escurinho e disse: “Tu nunca mais vai fazer gol em Grenal enquanto eu jogar aqui”; ou sobre o lendário gol do centroavante Geada no Grenal nº 110, quando o Grêmio sustentou de forma heróica uma vitória, com dois jogadores a menos, contra o imbatível time do Rolo Compressor; e, especialmente, sobre o maior jogo que ele disse já ter assistido do nosso tricolor: a vitória por 2×1 no Grenal nº 145. O “Grenal do Juarez”.
Já eu, diferente do meu avô, não assisti àquele que eu considero o maior jogo da história do Grêmio. Inclusive, dele só tomei conhecimento após ouvir uma outra partida pelo rádio. Era 1990. O Grêmio fora à Argentina enfrentar o Estudiantes de La Plata, valendo uma vaga para a semifinal da Supercopa, sendo que nos bastava o empate. Contudo o que ocorreu naquela tarde foi simplesmente surreal. Uma partida onde o que imperou do primeiro ao último minuto foi a violência em estado puro. Sete expulsos, quatro gremistas. Um dos nossos jogadores levou um soco no rosto e desmaiou em campo (e esse lance nem gerou expulsão !!!!). Tantas foram as pedras e pilhas arremessadas no gramado que a partida chegou a ser encerrada pelo árbitro, por falta de segurança, decisão posteriormente revista. Seguiu o baile. E o Grêmio acabou sendo eliminado com um gol sofrido aos 44 minutos do segundo tempo. Não bastasse toda a selvageria, ainda perdemos o jogo no apagar das luzes… Para mim, o máximo da frustração. Porém, o clima de guerra dessa partida fez com que a imprensa passasse os dias anteriores e posteriores ao jogo rememorando um outro confronto contra o mesmo Estudiantes, ocorrido sete anos antes, no mesmo alçapão de madeira do Estádio Jorge Luis Hirsch, válido pela Copa Libertadores da América de 1983.
Essa sim uma verdadeira guerra, perto da qual o jogo de 1990 pode ser considerado uma inocente discussão entre escoteiros bem comportados. Mais do que uma partida de futebol, um incidente diplomático internacional. A lendária “Batalha de La Plata”.
Ou, como preferem alguns, o “Massacre de La Plata”.
Mas essa, querido leitor e querida leitora, é uma história que eu vou contar na próxima coluna.
Boa semana e até a próxima!!!

* Promotor de Justiça em Pinheiro Machado 

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