Literatura e Direito, Direito e Literatura

*Por Guilherme Barcelos

Qual a relação entre Direito e Literatura e vice-versa? Direito e Literatura, irmãos, filhos da liberdade. Codependentes entre si, águas de um mesmo caudal. Se, de um lado, como afirma Georges Abboud, “o direito depende da literatura para dela lhe emprestar as metáforas cuja hermenêutica dura das leis carece, por outro, o direito é devoto e guardião do que mantém viva a possibilidade do fazer literário, a liberdade”. O Direito, dito de outro modo, garante a Literatura (liberdade de expressão do pensamento, liberdade de criação, liberdade de circulação de ideias, vedação à censura prévia etc.). E a Literatura consagra muitas questões jurídicas ao longo de célebres obras. Além disso, a Literatura pode atribuir ao Direito um embelezamento que, vez ou outra, lhe falta, além de servir para explicar algumas questões complexas do universo das leis. Sem contar, registre-se, que ambos são linguagem

O movimento “direito e literatura” – sobretudo na vertente que costuma ser identificada como “direito naliteratura” – discute o valor da literatura para o jurista. Ler boas obras literárias seria uma forma de adquirir cultura geral, ganhar eloquência e também aprender lições importantes sobre direito e ética. Nem toda obra literária trata do direito, mas aquelas que exploram temas jurídicos são capazes de nos fazer refletir com cuidado sobre características gerais do sistema jurídico. Essas obras também são capazes de nos fazer refletir com cuidado sobre nossas obrigações éticas enquanto advogados, juízes, promotores, professores de direito etc. (SHECAIRA, Fábio Perin. A importância da Literatura para juristas. ANAMORPHOSIS – Revista Internacional de Direito e Literatura v. 4, n. 2, julho-dezembro 2018).

Há vários exemplos. Cito alguns e convido-vos à reflexão: a negociação da lei e a metáfora da aliança ou do contrato social (Êxodo, do Antigo Testamento), o problema da legitimidade do direito (Antígona, de Sófocles), a relação entre vingança e justiça (Oresteia, de Ésquilo), a secularização frente aos critérios morais de classificação de crimes e punições que lhes são correspondentes (A divina comédia, de Alighieri), a obrigatoriedade de aplicação da lei penal (Medida por medida, de Shakespeare), o problema da interpretação jurídica (O mercador de Veneza, de Shakespeare), a busca de uma justiça idealizada e as adversidades inerentes à realidade (Dom Quixote, de Cervantes), o indivíduo e a fonte de direitos a ele inerente (Robinson Crusoé, de Defoe, e Fausto, de Goethe), as falácias da argumentação jurídica (As viagens de Gulliver, de Swift), as implicações da anistia (O leitor, de Schlink), os efeitos perversos que subjazem nas leis mais bem intencionadas (O contrato de casamento e A interdição, de Balzac), a complexidade psicológica da culpa (Crime e castigo, Dostoievski), as descobertas e os avanços da criminologia (A ressureição, de Tolstoi), a incoerência das formas e conteúdos que o sistema jurídico estabelece (O processo, de Kafka), o processo de submissão dos indivíduos a partir do controle social exercido pelo regime totalitário (1984, de Orwell, e Admirável mundo novo, de Huxley), o absurdo do desprezo legal pela singularidade e subjetividade (O estrangeiro, de Camus), a Lei como instrumento de interdição (O senhor das moscas, de Golding), a questão do adultério e da construção da verdade (Dom Casmurro, de Machado de Assis), a loucura e o tratamento jurídico a ela dispensado (O alienista, de Machado de Assis), os dilemas da democracia e o papel do Estado (Ensaio sobre a lucidez, de Saramago), o caos e a barbárie num mundo sem direito (Ensaio sobre a cegueira, de Saramago), o controle social e o poder ideológico exercido pelas ditaduras (A festa do bode, de Llosa), a decadência dos valores e seus reflexos no direito (O homem sem qualidades, de Musil), a necessidade de humanização do sistema penal (Os miseráveis, de Victor Hugo), os dilemas do casamento frente aos interesses hereditários (Orgulho e preconceito, de Austin), o problema das presunções normativas (Oliver Twist, de Dickens), entre outros tantos (In: TRINDADE, André Karam; GUBERT, Roberta Magalhães; NETO, Alfredo Copetti (Org.). Direito e Literatura: reflexões teóricas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 53-54).

Ótimo feriado aos leitores (as)!

ORIGINALMENTE ESTE CONTEÚDO FOI PUBLICADO NO JORNAL IMPRESSO*

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