Meu pai e o Santos de Pelé

Corriam os anos 1960, morávamos no interior do município, o meio de comunicação mais contundente era o rádio. Através dele tudo se propagava. As notícias da política, do futebol, do cinema, as rádionovelas, os programas de auditório, enfim. E as famílias que ainda não possuíam o rádio, aos domingos a noite reuniam-se na casa de quem o tinha, para juntas ouvirem o Grande Rodeio Coringa, maravilhoso programa de auditório na Rádio Farroupilha, que evocava a arte da música nativista tradicional, apresentado por Darci Fagundes e Luiz Menezes.

Meu pai, um homem simples, mas intensamente apaixonado por futebol, e essa paixão tinha um nome: o Santos Futebol Clube de Pelé, um time quase imbatível naqueles tempos. Gilmar, Dalmo, Calvet, Mauro e Geraldino. Zito e Mengálvio. Dorval, Coutinho, Pelé e Pepe. O esquema tático, pasmem, era o 4-2-4. Outros tempos! Meu pai não perdia um jogo sequer do Santos. Seu fanatismo era de tal intensidade que ele tinha sempre a mão em sua mesa onde estava instalado o velho rádio Semp a bateria, um caderno onde anotava a súmula completa dos jogos do Santos, escalações, local do jogo, público pagante, arbitragem e o nome do(s) artilheiro(s). Era por assim dizer, um estatístico. O Santos bicampeão da Libertadores e do Mundo em 62 e 63, certamente foram o auge das conquistas daquele time, que meu pai incorporou a sua singela estatística de caderno, onde nada faltava.

Nenhum detalhe lhe passava despercebido, inclusive quando o seu time excursionava meses a fio pela Europa, Ásia e outros lugares desse mundo de Deus, afinal era um tempo em que os calendários das competições nacionais ainda permitiam que os clubes excursionassem ganhando milhares de dólares, libras, marcos e todas as moedas daquela época para fazer frente aos salários de seus jogadores.

Eu, um menino recém saído das fraldas, ouvia a quase todos os jogos sentado ao colo do meu pai, e não posso negar, sofri dele a influência pelo gostar e acompanhar o futebol, pois além de ouvinte do rádio, ele era assinante da Revista do Esporte e da Gazeta Esportiva Ilustrada, as duas melhores revistas esportivas dos anos sessenta.

Assim e sem que ele tivesse jamais me imposto qualquer obrigação, eu acabei também um torcedor dos times que ele gostava: o Santos de Pelé, o Botafogo de Garrincha, o Grêmio de João Severiano e Alcindo e o Guarany de Bagé, de onde saiu Tupãzinho para o Palmeiras de Ademir da Guia. Algum tempo depois, entre os anos de 1971 e 1972, não consigo lembrar por qual razão, eu troquei de time em São Paulo, passando a torcer pela Portuguesa de Desportos até os dias de hoje.

São lembranças que se reavivaram e brotaram na minha consciência recentemente por ocasião do passamento de Pelé, esse gênio do futebol que nos deixou às vésperas da passagem de ano em Dezembro de 2022. Meu pai, vivo fosse, teria 90 anos, e por certo, lamentaria muito a perda de Pelé, mas tenho certeza, diria que foi um felizardo de ter acompanhado a beleza plástica do futebol daquele Santos de Pelé.

“A humildade não te faz melhor do que ninguém, mas te faz diferente de muitos.”

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