Nesta sexta-feira (8) é comemorado o Dia Internacional da Mulher – data lembrada pelas lutas das mulheres quanto à igualdade de direitos e respeito em todas as esferas. Muito já se conquistou, mas ainda está longe o dia que tudo será equiparado e que as mulheres ocuparão ainda mais cargos que hoje, em sua maioria, são ocupados somente por homens.
Em razão desta data tão importante e após ter trazido na edição anterior estatísticas de violência contra a mulher, hoje o Tribuna do Pampa traz uma história de luta feminina e resultados positivos de uma senhora empreendedora, Nilce Haas Hindersmann, 61 anos, proprietária da agroindústria San Antonio, localizada no assentamento Nossa Senhora Aparecida, há cerca de 2 km da sede de Candiota.
O SONHO E A CHEGADA NA TERRA
Natural de Arroio do Tigre, Nilce chegou em Candiota guiada pelo desejo de ter um pedaço de terra e dela tirar o sustento. A partir de um sonho e a fé em Deus, em 2005, juntando economias, ao lado do marido e dois filhos, a família comprou um pedaço de terra. “Queria ter algo meu para trabalhar e várias vezes sonhei com uma paisagem. Procurando por uma área em Candiota, avistei o local dos sonhos e fui atrás. Poucos dias depois, era a proprietária”, contou Nilce, que no mesmo período já estava em tratamento de uma leucemia que havia descoberto em 1999.
PRIMEIRAS PERDAS
A vida em Candiota não iniciou de forma fácil para ela e a família. Nilce contou a reportagem durante visita ao TP, que após se organizar no local, a família enfrentou o primeiro problema financeiro. “Plantamos fumo e tivemos muitos prejuízos, mais do que ganhos. Além de uma pequena horta, também plantamos alguns legumes e hortaliças, mas as lebres atacaram e comemoram tudo. Além de não ter retorno no fumo, as lebres comeram as plantações, só nos restou a horta que era fechada com tela”.
ARMÁRIOS VAZIOS
O ataque das lebres e as percas com o fumo trouxeram graves consequências para a família. Nilce lembrou, de forma emocionada e com lágrimas nos olhos, sobre o desespero de se deparar com os armários vazios, sem mantimentos. “Meu marido trabalhava no campo junto com meu filho de 15 anos. Um certo dia não tinha pão pra café, não tinha café, nem açúcar, arroz, feijão, nada, o armário estava vazio. De madrugada me perguntei o que colocaria na mesa para comer. Fui na lavoura, colhi aipim e o café da manhã foi aipim cozido. Vi meu filho comer sem reclamar, tomar água e sair para a lavoura. Já meu marido olhou para o prato e saiu sem comer nada. Naquele momento chorei muito e rezei pedindo a Deus uma orientação, porque a situação estava difícil, pois de que adiantaria ter uma terra prometida dos sonhos e não conseguir produzir nem para o sustento. Tive uma paz tão grande e ao olhar vi uma luz muito forte a iluminar a horta. Foi quando pensei: Jesus me deu a terra para plantar alimento, não para plantar vício, tabaco. Naquele momento peguei uma bacia, fui até a horta, colhi produtos e fui até a cidade, a pé, andando 2km, para tentar vender. Fui até a saúde que já conhecia as pessoas em razão do meu tratamento médico e vendi tudo. Com o dinheiro fiz compras no mercado e retornei para casa. Naquele dia o almoço foi farto”, relatou a produtora, que de 1kg de farinha de trigo fez 5kg de pães ao misturar aipim na receita.
PRIMEIRAS LUTAS
Surgiu a primeira mudança na vida da família e a primeira ação de Nilce como empreendedora. Diariamente ela passou a fazer o mesmo trajeto para vender hortaliças na cidade e levar alimentos para casa. “Saía às 7h com a sacola, vendia e levava comida para casa. Ao fim do mês sobrou até dinheiro para colocar gasolina no Corsel que a gente tinha. Desde então trabalhamos com venda de alimentos”, relatou.
NOVAS OPORTUNIDADES
Produtora ainda ajuda nos trabalhos de infraestrutura Foto: Divulgação TP
Com o passar do tempo, conforme Nilce contou ao jornal, a família começou a vender os produtos para lancherias e mercados, o que aumentou a renda familiar. Porém, a sobra de alimentos e a perca era algo que preocupava a família e com isso veio outro desafio. “Tive a ideia de processar os alimentos e congelar. Consegui fazer vendas e evitar o desperdício, foi outro viés e com isso gerar mais renda”, lembrou.
Segundo Nilce, tudo começou a melhorar para a família que seguiu sempre lutando sem desanimar. “Pelo programa Mais Alimentos conseguimos, em 2016, comprar uma camionete para nossas entregas e facilitar o trabalho”.
AGROINDÚSTRIA
Panificados é um dos viés da agroindústria Foto: Divulgação TP
Já trabalhando com produtos variados, Nilce conta ter partido em busca da legalização de uma agroindústria para a família. Foi quando surgiu a San Antonio – em homenagem á história familiar e a Santo Antônio -, que hoje trabalha com panificados, chimia, minimamente processados, frutas congeladas e suco de uva. “Os fornos de secar fumo se transformaram em agroindústrias. Não perderam o formato, pois é neles que nossa história começou e deve ser lembrada”, disse. Atualmente, a San Antonio além de escolas, atende diretamente o consumidor mediante encomendas.
TRAJETÓRIA
Nilce visitou o TP nesta semana Foto: Silvana Antunes TP
Ao TP, dona Nilce, que também passou por uma ponte safena, enxerto mamário, problema de coluna, sopro, arritmia cardíaca e problema de tireóide além da leucemia, o que a deixa em constante acompanhamento médico, fez uma avaliação de sua trajetória ao longo desses 18 anos em Candiota.
“Se a gente vai olhar para os desafios pensa de onde tirou forças. Foram muitos problemas de saúde e desafios no campo. Sempre contei com a parceria fundamental do meu esposo Antônio, hoje com 63 anos, que sempre trabalhou muito, inclusive sozinho quando eu ficava internada por vários dias em razão da leucemia, sem ele não tínhamos conseguido, assim como ao meu filho que ia para a lavoura e vivenciou tantas dificuldades ao nosso lado na adolescência. Sempre trabalhamos juntos nas plantações, nos trabalhos que surgiam, as obras sempre nós que fazíamos. Hoje estamos só nós dois na propriedade, mas meu filho que hoje é agrônomo e responsável técnico da agroindústria, faz um baita trabalho de longe junto a esposa, minha nora, responsável pela rotulagem. Agradeço sempre a Deus todos os dias, não é uma vitória minha, é uma vitória nossa”, concluiu dona Nilce.
ORIGINALMENTE ESTE CONTEÚDO FOI PUBLICADO NO JORNAL IMPRESSO*
