Noventa anos da Justiça Eleitoral (1932/2022): o pensamento de Assis Brasil

Em 1930 despontaria no Brasil um movimento revolucionário que derrubaria o centro da política nacional, vindo a instaurar uma nova ordem. Tratou-se, pois, da Revolução de 1930, liderada pelo gaúcho Getúlio Vargas, que se tornaria depois Presidente do Brasil por duas oportunidades (1930/1945; 1951/1954). A criação da Justiça Eleitoral surge da Revolução de 1930, consagrada a partir do Código Eleitoral (CE) de 1932 e, depois, ratificada pelo texto constitucional de 1934. Desde então, com exceção da Constituição de 1937, fruto do golpe do Estado Novo, a Justiça Eleitoral tem acompanhado todos os textos constitucionais brasileiros, desembocando, assim sendo, no texto constitucional de 1988, que marca e finaliza, de uma vez por todas, a redemocratização do país iniciada em 1979 (com a anistia política) depois de décadas do regime de exceção que assolou o país por aproximadas duas décadas.
A razão para a criação da Justiça Eleitoral é (foi) a seguinte: pensou-se, muito a partir das ideias de Assis Brasil, em uma instituição apartada das forças políticas dominantes, e, portanto, distante e imparcial, incumbida de gerir ou administrar os processos eleitorais e zelar para que estes transcorressem com isonomia, transparência, tranquilidade e legitimidade. A Justiça Eleitoral, pode-se dizer, é uma instituição edificada com o fito de quebrar a marca patrimonialista e estamental cristalizada na estrutura do Estado brasileiro desde a sua gênese e, de mais a mais, nas eleições para a escolha dos representantes políticos da Nação, considerada a ocupação dos cargos públicos eletivos por intermédio deste mecanismo.
O pensador brasileiro responsável pela sua criação realmente foi o gaúcho Assis Brasil. Além de ter sido o principal membro da Subcomissão responsável pela redação do Código Eleitoral de 1932, Brasil redigiu duas importantes obras para o Direito Eleitoral. Seu livro Democraciarepresentativa: do voto e do modo de votar (1931) tornou-se um clássico. Nele Assis Brasil mostra que nada era mais perigoso para a garantia da liberdade política que o sistema, então quase universalmente usado, da refusão periódica dos registros de eleitores. O sistema seria propício às fraudes. Já no livro Do Governo Presidencial na República Brasileira (1934), outra grande obra do autor, Assis Brasil afirmaria que o Brasil foi primeiro país no mundo a fazer um Código Eleitoral e a tornar a Justiça independente do poder Executivo.Além disso, afirmaria que os juízes seriam, em parte, os guardiões da justa representação, por isso dever-se-ia delegar à Justiça Eleitoral a direção de todo o processo eleitoral. Para ele, por ser a Justiça independente do poder político, ela é a melhor força para se controlar quem entra e quem sai desse poder. E as suas ideias frutificam até os dias de hoje, sendo que, a maior das suas obras, foi, seguramente, o anteprojeto de Código Eleitoral.
Em 1929, João G. da Rocha, Assis Brasil e Mario Pinto Serva, fizeram parte de uma comissão que elaborou um anteprojeto do CE,no qual entendiam ser correto entregar aos magistrados o alistamento permanente e a participação desses nas mesas eleitorais e juntas apuradoras, além de também atribuir aos tribunais judiciários o processo e a decisão das contestações em que se levantassem questões sobre os pleitos. E em 1932 surgiria o primeiro CE da história brasileira. Antes disso, não havia a figura do “terceiro imparcial”, sendo que os processos eleitorais brasileiros eram marcados por fraudes das mais diversas.
Essa realidade marcada por fraudes eleitorais de toda sorte, diga-se, foi percebida anos antes por Assis Brasil. A esse respeito, por exemplo, Brasil escreveria, em 1925, no Manifesto da Aliança Libertadora do Rio Grande do Sul ao País, que “ninguém tem certeza de ser alistado eleitor; ninguém tem certeza de votar, se porventura foi alistado; ninguém tem certeza de que lhe contém o voto, se porventura votou; ninguém tem certeza de que esse voto, mesmo depois de contado, seja respeitado na apuração da apuração, no chamado terceiro escrutínio, que é arbitrária e descaradamente exercido pelo déspota substantivo, ou pelos déspotas adjetivos, conforme o caso for da representação nacional ou das locais”. Vejam, portanto, a concreta preocupação com o alistamento eleitoral e com a fidedignidade dos escrutínios, naquilo que se referia ao depósito e à contagem dos votos. Sete anos após surgiria a Justiça Eleitoral.
Adequando, então, seus estudos e a doutrina liberal dominante com a realidade brasileira, Assis Brasil conseguiu, e o mérito é gigantesco, criar uma grande obra que, em linhas gerais, mantém-se até os dias atuais. Ao autor, nosso reconhecimento. E a Justiça Eleitoral, os nossos parabéns pelos 90 anos!

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