O que é isto, a judicialização da política e o ativismo judicial?

Como se estabelece a relação entre palavras e coisas? Há ligação entre texto e sentido do texto? Estabelecer sentido pode ser algo arbitrário? Tais perguntas podem ser respondidas, não pelo Direito, mas, antes, pela Literatura. E eu inicio a coluna desta semana lembrando Humpty Dumpty, personagem de Alice Através do Espelho, obra escrita por Lewis Caroll. Humpty Dumpty é o estereótipo daqueles que dão às palavras o sentido que querem – “Quando eu uso uma palavra, ela significa exatamente o que quero que ela signifique: nem mais, nem menos”. Não pode ser assim, entretanto. Ainda mais quando lidamos com o Direito, afinal, quando se perdem os parâmetros normativos, notadamente quando o Direito passa a ser aquilo que o intérprete diz que ele é ou quer que ele seja, a desordem inevitavelmente se impõe a partir da realidade, criando-se um verdadeiro estado de “guerra-civil hermenêutica”, por assim dizer. Eis que a temática da judicialização da política e do ativismo judicial, tão falada e tão pouco compreendida, se insere nesse contexto. E falar sobre algo que não se compreende, além de ser uma estratégia pouco inteligente, em nada contribui para a evolução da democracia constitucional brasileira. A ignorância, caro leitor, não é virtude. O texto de hoje, portanto, tem por objetivo trazer alguns esclarecimentos acerca do tema. Em síntese: o que é isto, a judicialização da política e o ativismo judicial?
A República Federativa do Brasil é um Estado Democrático (e) de Direito, tal como indica o texto constitucional de 1988. E, no modelo advindo do Estado Democrático de Direito (pós-Segunda Guerra), ocorreu certo deslocamento do centro das decisões do Legislativo e do Executivo para o plano da justiça constitucional ou do Judiciário. No Estado Democrático de Direito há uma modificação do perfil institucional. Inércias do Executivo e a falta de atuação do Legislativo passam a poder – em determinadas circunstâncias – ser supridas pelo Judiciário, justamente mediante a utilização dos mecanismos jurídicos previstos na Constituição que estabeleceu o Estado Democrático de Direito.
Temos uma Constituição dirigente e compromissória, com extenso rol de direitos e garantias individuais, direitos sociais e coletivos. Assim sendo, é que uma Constituição rica em direitos fundamentais como a brasileira requererá, inexoravelmente, mecanismos que garantam a sua plena eficácia. Logo, vale dizer: se a Constituição é o fundamento (superior) de validade do jurídico e do político, a jurisdição constitucional é a sua condição de possibilidade. Porém, essa maior participação do Judiciário no espectro social não deve ser confundida com uma supremacia judicial. Reside aí, portanto, o busílis da questão. E a importância de não confundirmos judicialização com ativismo.
O fenômeno da judicialização da política decorre de situações diversas, consubstanciando-se num acontecimento que independe dos desígnios dos membros do Poder Judiciário. Trata-se, pois, de um fenômeno que encontra em sua gênese fatores de natureza contingencial. Já o ativismo judicial representa fenômeno diametralmente oposto. Ambos são espécies do gênero protagonismo judicial. A judicialização é um fenômeno político gerado pelas democracias contemporâneas; ao passo que o ativismo é um problema interpretativo, um capítulo da teoria do direito (e da Constituição).
O ativismo começa quando o juiz decide a partir de argumentos de política, de moral, enfim, quando o direito é substituído pelas convicções pessoais de cada magistrado (ou de um conjunto de magistrados). E é o conteúdo da decisão que determinará se estamos diante de um exemplo de ativismo ou não. A questão, consequentemente, não reside “no decidir”, mas, sim, no “como decidir”. A judicialização da política (da vida ou do social) não é um mal em si. O ativismo, por outro lado, é sempre nocivo, representado, sobremaneira, o soçobrar do Direito em prol das convicções pessoais do intérprete.
Logo, eis o ponto final, quem quiser falar sobre isso deve ter em mente que precisa saber do que está falando, afinal, não sendo assim o caso, ao invés de críticas construtivas, estará apresentando ataques vazios ao Judiciário, o que, convenhamos, não é nada saudável, (e as obras de Clarissa Tassinari, Judicialização da Política e Ativismo Judicial, Georges Abboud, Processo Constitucional Brasileiro, e de Lenio Streck, Verdade e Consenso, ficam as dicas, são ótimas leituras acerca do tema).

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