SAÚDE FEMININA

Pobreza menstrual: integrantes de grupos e autoridades atentam para o tema na região

Uma live foi realizada por um grupo de Bagé e um projeto foi apresentado por uma vereadora pinheirense

Projeto consiste na produção de absorventes de tecido Foto: Divulgação TP

Algo que acontece no universo feminino mensalmente, a menstruação, e que deveria ser visto como um fato normal é motivo de vergonha e um problema para muitas mulheres. Isso pela falta de absorventes ou uma estrutura adequada de higiene durante o ciclo menstrual. O fato está sendo denominado de pobreza menstrual.

O tema tem ganhado abrangência em razão das consequências que podem causar entre as mulheres, sejam psicológicas ou físicas. No início desta semana, uma live foi realizada pelo Grupo Mulheres do Brasil, núcleo Bagé, com a enfermeira formada pela Urcamp de Bagé e especialista na área de enfermagem obstétrica do hospital Conceição de Porto Alegre, Rafaela Quintana Domingues.

A profissional, que também é mestranda em Educação em Saúde no Sistema Único de Saúde, falou sobre o tema que é motivo de um projeto de mestrado junto a outras quatro colegas e também sobre o projeto Tablue, que desenvolve na capital do Estado.

Em contato com a reportagem do Tribuna do Pampa, Rafaela Domingues contou que projeto surgiu após ver um conteúdo sobre o tema. “Achei que precisava fazer alguma coisa. Pesquisei de que forma poderia produzir absorventes. Fabriquei, esperei meu ciclo e testei. Ao ver que cumpria seu papel de conter o fluxo, começou a produzir absorventes em tecido com a ajuda de uma vizinha costureira”, contou a enfermeira, acrescentando que resolveu agir por ser mulher, trabalhar com mulheres, ter uma filha. “Também estou engajada nas causas sociais feministas, visando diminuir a desigualdade de gênero e racial, pois mulheres negras e pobres sofrem ainda mais com essa disparidade”, destacou.

TABLUE – O nome do projeto surgiu do tabu do vermelho feminino (sangue e fluxo) e a cor azul dos absorventes menstruais sustentáveis. Conforme explicou Rafaela ao Grupo Mulheres do Brasil, núcleo Bagé, “são mulheres que ajudam mulheres. Com base nessa força e na vontade de diminuir a desigualdade de gênero e motivar toda a menina ou mulher que não tem condições de comprar seu absorvente, o projeto visa disponibilizar um absorvente sustentável 2 em 1, reutilizável e também descartável, pois dependendo do tipo de situação social em que está exposta, a mulher não terá condições de reutilizar o absorvente, fato que atinge uma grande parte de meninas e mulheres que não tem acesso a saneamento básico e a água encanada”, relatou.

Os absorventes são confeccionados manualmente com materiais que seriam desprezados no lixo, tecidos de TNT e retalhos doados por costureiras e voluntárias que se disponibilizam a auxiliar de alguma forma o projeto social. Na página no instagran, a @tabu_tablood_tabu é possível acompanhar o projeto, que aceita doações. A primeira doação aconteceu ao instituto E se fosse você, de um total de 500 unidades, divididas em 10 pacotes com cinco unidades.

Projeto E se fosse você recebeu as primeiras 500 unidades Foto: Divulgação TP

MULHERES DO BRASIL – O TP também conversou com uma das representantes do Grupo Mulheres do Brasil, núcleo Bagé, Helena Assumpção, que disse que a palestra em forma de live foi uma sugestão da líder do Comitê de Combate a Violência contra a Mulher, Fernanda Vinholes. “Trouxemos o tema por ser pertinente as mulheres, é uma forma de trazermos para a consciência algo que acontece todos os meses e que muitas mulheres não tem acesso e muitas vezes nem uma qualidade de vida, higiene adequada e condições de comprar absorventes ou coletores. O que para a gente é normal ir na farmácia e pagar em torno de R$ 12 em um pacote, para muitas isso não é possível”, afirmou.

Helena também disse que o objetivo do grupo de trazer até a cidade de Bagé o projeto, bem como mobilizar empresas e autoridades. “Temos interesse em trazer o projeto e atuar em algumas frentes como o incentivo a doação de absorventes descartáveis por empresas como suporte a mulheres carentes. Também ver uma forma para que mulheres possam confeccionar as unidades em uma linha de produção para ser distribuído”, explicou.

Quem recebe o absorvente também recebe uma orientação caso deseje reutilizá-lo Foto: Divulgação TP

PROJETO DE MESTRADO – Dados compilados no projeto de mestrado da disciplina de Práticas Educativas em Saúde, grupo Arte, de Rafaela foram cedidos ao TP. Nele, é explicada a pobreza menstrual e ressaltados dados mundiais e brasileiros relativos ao tema. Confira alguns pontos abaixo:

– A pobreza menstrual é caracterizada pela falta de acesso a recursos, infraestrutura e até conhecimento por parte de quem menstrua. Essa condição afeta mulheres brasileiras que vivem em condições de pobreza e situação de vulnerabilidade em contextos urbanos e rurais, por vezes, sem acesso a serviços de saneamento básico, recursos para higiene e conhecimento mínimo do corpo.

– Segundo dados do Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) no Brasil, milhões de meninas carecem de infraestrutura e itens básicos para cuidados menstruais. A nível mundial, 4 milhões de meninas sofrem com pelo menos uma privação de higiene nas escolas, incluindo a falta de acesso a absorventes e instalações básicas nas escolas (banheiros e sabonetes).

– No cenário brasileiro, as meninas também estão sob situação de grande vulnerabilidade, envolvendo outros serviços básicos que são essenciais para garantir a dignidade menstrual: 900 mil não têm acesso a água canalizada em seus domicílios e 6,5 milhões vivem em casas sem ligação à rede de esgoto (IBGE, 2020). O fenômeno da pobreza menstrual é afetado por outras variáveis, envolvendo a desigualdade racial, social e de renda. Uma família com maior situação de vulnerabilidade e renda menor tende a dedicar uma fração menor de seu orçamento para itens de higiene menstrual, uma vez que a prioridade é a alimentação.

– De acordo com os dados dos estudos, a chance de uma menina negra não possuir acesso a banheiros é quase três vezes maior do que uma menina branca nas mesmas condições. Além disso, enquanto cerca de 24% das meninas brancas residem em locais avaliados como não tendo serviços de esgotamento sanitário, quase 37% das meninas negras vivem nessas condições (UNFPA/UNICEF, 2021).

– Segundo a representante do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) no Brasil, Astrid Bant, a ausência de condições sanitárias mínimas para que as pessoas possam gerenciar sua menstruação é uma violação de direitos humanos e uma condição que distancia o país do alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), relacionado à saúde e ao bem-estar.

Vereadora de Pinheiro Machado sugere
inclusão de absorventes nas doações do município

Vereadora Magda também mostrou preocupação com o tema Foto: Arquivo TP

Também relacionado ao tema da pobreza menstrual, a vereadora de Pinheiro Machado, Magda Afonso (PDT), apresentou como sugestão ao Executivo em junho, o projeto de Lei 02/2021, que dispõe sobre o fornecimento de absorventes higiênicos às mulheres em situação de vulnerabilidade econômica e social de Pinheiro Machado.

O projeto, se aderido pelo Poder Executivo promoverá o fornecimento e a distribuição de absorventes higiênicos em quantidade adequada às necessidades das estudantes, nas escolas da rede pública municipal, bem como às mulheres em situação de vulnerabilidade social e econômica, nas Unidades Básicas de Saúde do município. O Poder Executivo também incluiria absorventes higiênicos nas cestas básicas distribuídas pela municipalidade às famílias em vulnerabilidade.

Como justificativa, a vereadora diz que o projeto objetiva “evitar situações de exclusão, vergonha e impotência, levando às nossas mulheres dignidade e esperança em um futuro mais justo e igualitário”.

Magda também lembrou que no município, a Igreja Católica, em suas políticas sociais, tem sentido esta carência e necessidade de inclusão do absorvente higiênico íntimo nos itens de distribuição às famílias.

Comentários do Facebook