Sirvam nossas façanhas de modelo a toda Terra

*Adoniran Lemos Almeida Filho

 

Porto Alegre é a única cidade do mundo (sim, sim, de todo o Planeta Terra) que não é a capital econômica ou política de um país e que possui dois campeões mundiais de futebol.

O leitor ou a leitora mais apaixonado(a) por futebol pode­ria objetar lembrando de Milão, terra do Milan e da Internaziona­le, caso não a considere como a capital econômica da Itália. Ou de Avellaneda – lar dos ini­migos figadais “La Academia”, o Racing; e d’el Rey de Copas, o Independiente, cujos estádios curiosamente ficam um de frente para o outro, na mesma rua, ima­ginem só… – caso não a considere apenas mais um bairro de nuestra Buenos Aires querida.

De todo modo, mesmo nessas duas situações temos equipes provenientes de cidades – ou de um bairro – situadas dentro de pujantes centros econômicos, políticos e culturais dos seus respectivos países.

Porto Alegre não. Porto Alegre – queiramos ou não, e gos­temos ou não – está situada na periferia econômica e política do país, ao sul do mundo, mais próxima geográfica e culturalmente dos nossos vizinhos charruas e portenhos do que propriamente das maravilhas que tornaram o Brasil reconhecido mundialmente.

E mesmo assim conseguiu a façanha de produzir dois times de futebol profissional que chegaram à glória máxima do futebol profissional. Mais do que isso, conseguiu produzir dois clubes com estádios particulares capazes de atender às rigorosas exigências da FIFA; dois clubes que, abstraída a sazonalidade dos momentos ruins dentro das quatro linhas, já bateram a marca dos 100.000 sócios; dois clubes cujos orçamentos anuais são maiores do que o da maioria esmagadora dos 497 Municípios do Estado; enfim, dois clubes cujas façanhas servem de modelo a toda Terra.

Mas de onde será que vem essa força capaz de romper as barreiras quase inexpugnáveis da distância política, geográfica e econômica dos grandes centros – e, em consequências, dos clubes gerados a partir dessas condições mais favoráveis – para nos levar, todos nós, gremistas e colorados, a esse “outro pata­mar”? De onde vem a força capaz de levar homens comuns, pais de família, trabalhadores com expediente a cumprir, a relegar tudo a segundo plano para construir estádios como o Olímpico Monumental (o maior estádio particular do MUNDO por ocasião da sua inauguração, em 1954) e o Gigante da Beira-Rio, erguido a partir da famosa “Campanha do Tijolo” que levou inclusive o lendário Paulo Roberto Falcão a carregar um carinho de mão no canteiro de obras?

Só pode vir de um lugar: da energia mágica gerada pela rivalidade. E de tudo aquilo que ela traz a reboque, especialmen­te o sentimento de inconformismo com o “segundo lugar”, afinal historicamente Grêmio e Inter vivem de se superar. No fundo, Grêmio e Inter se admiram, exatamente por reconhecerem no rival esse mesmo esforço, indignação e capacidade de mobiliza­ção que ali atrás, há bem pouco tempo, fez com que ele próprio pudesse superar as próprias expectativas e conseguisse seguir em frente, superando todas as adversidades, mesmo quando ninguém acreditava ou achava possível. Nem mesmo os seus próprios torcedores.

E quem veste a camisa de Grêmio e Internacional precisa saber disso. Que estas duas não são camisas comuns. Nelas vive a chama dos descendentes dos Guerreiros Farrapos, que guerre­aram por 10 anos contra o Poder Imperial sem serem derrotados; que carregaram um pequeno navio (o lanchão Seival) sobre o campo, puxado por cordas, quando não havia outra alternativa; que lavaram de sangue as planícies do nosso Estado por não concordarem com a injustiça e a submissão. Daqueles que nunca aceitam a derrota.

E talvez essa tenha sido a maior frustração da torcida gremista por ocasião da doída derrota para o Santos na última semana, assim como certamente já o foi no íntimo dos torcedores colorados em outros momentos: o conformismo com a derrota.

Perder é do jogo. Mais do que isso: perder é comum, é natural, afinal tirando algumas raríssimas exceções dos esportes individuais, no esporte mais se perde do que se ganha. E todo mundo sabe disso, inclusive nós torcedores.

Portanto, perder não é o problema.

O problema é como se perdeu. Sem alma. Sem indignação. Conformado. De um modo que não passou nem perto de repre­sentar o que a camisa dos nossos dois clubes significa. Talvez por isso que o futebol argentino de clubes seja tão mágico, tão inspirador. E tão temido. Um time argentino nunca aceita a derrota. E isso traz glória, orgulho, satisfação. Mesmo na derrota.

“Ganhar talvez; Lutar sempre; Desistir jamais” (dito por algum hincha argentino, em algum campo embar­rado, enquanto os jogadores davam a vida em cada dividida…)

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