HISTÓRIA

Troca de Cacimbinhas para Pinheiro Machado completa 106 anos neste sábado

Brasão da cidade tem inscrito Cacimbinhas Foto: Acervo pessoal Nikão Duarte/Especial TP

O grupo de Facebook Cacimbinhas City, com quase 4 mil membros, lembra neste sábado (30), com indignação, que há 106 anos, nesta data, a cidade de Cacimbinhas perdia seu nome original para se denominar, num canetaço do então intendente provisório (o mesmo que prefeito hoje), Ney Lima Costa, Pinheiro Machado, em homenagem ao senador assassinado no Rio de Janeiro por Manço Paiva,  que havia nascido na então Cacimbinhas.

Na página Cacimbinhas City neste sábado, o administrador, jornalista Nikão Duarte repostou artigos de sua autoria sobre a famigerada mudança. Confira à seguir:

29/10/1915: O ÚLTIMO DIA DE CACIMBINHAS

Francisco Manço Paiva foi o assassino do senador Pinheiro Machado Foto: Arquivo Nikão Duarte/Especial TP

Imagine o dia 29 de outubro, mas de 1915: o Brasil era governado pelo mineiro Wenceslau Braz, o Rio Grande pelo sul-caçapavense Borges de Medeiros que, licenciado por doença, dava lugar ao vice, Salvador Pinheiro Machado. E, por falar em Pinheiro Machado, vivia-se um período de comoção política, pelo assassinato de José Gomes, senador e irmão do dirigente estadual em exercício, ocorrido em 8 de setembro, no Rio de Janeiro, então capital federal.

Dirija, agora, o foco de sua imaginação para um dos 60 municípios em que estava dividido o Estado em 1915. Sua sede era a vila de Cacimbinhas. Lá havia vivido Francisco Manço de Paiva Coimbra, o matador do senador gaúcho. O comando administrativo local estava a cargo de um intendente provisório, chegado ao cargo não mais do que seis meses antes: Ney de Lima Costa – enviado pelo governo estadual com a missão de pacificar as facções divergentes do Partido Republicano Rio-grandense (PRR).

Se o clima meteorológico era ameno, como costuma(va) ser nas primaveras da Serra do Sudeste, com o ambiente político ocorria o oposto. De mediador, o enviado palaciano havia se tornado parte, assumido o governo municipal e deflagrado intensa repressão aos que a ele se opunham – incluindo demissões, prisões e desqualificações em cartas ao Palácio de Governo (antecessor do Piratini). A brisa suave dos 19°C daquela sexta-feira sem chuvas seria um convite à calmaria dos ânimos. Mas um temporal se preparava.

Na vila, de vida em pleno desenvolvimento a partir da pecuária, da agricultura de subsistência e do comércio que se consolidava como atividade urbana e rural, o nome do município tinha uma consciência coletiva: derivava da abundância com que a água emergia de suas terras, alimentando humanos e animais, viabilizando as tropeadas e armazenadas em poços de onde as famílias se serviam à vontade. A água de uma dessas cacimbinhas havia consagrado o milagre de dar de volta a visão a um fazendeiro cego que, em agradecimento, erguera uma capela à Nossa Senhora – da Luz, por óbvio – em torno da qual a localidade crescia.

Sob a proteção divina de sua padroeira, Cacimbinhas rumava em direção ao progresso possível 104 anos atrás. Sua crise político-administrativa, porém, reservava surpresas para as horas seguintes. A calmaria era apenas aparente e, nos bastidores, conspiravam as facções em disputa. De uma delas viria, no dia seguinte, a iniciativa que marcaria historicamente o município e a comunidade. A partir de 30 de outubro de 1915 tudo seria diferente em Cacimbinhas.

30/10/1915, O PRIMEIRO DIA DE PINHEIRO MACHADO

Senador gaúcho José Gomes Pinheiro Machado Foto: Acervo pessoal Nikão Duarte/Especial TP

Quem se recolheu para dormir, na noite de 29 de outubro de 1915, em Cacimbinhas, despertou na manhã seguinte… em Pinheiro Machado! Assim, de supetão e sem sair do lugar, os cacimbinhenses souberam, em pleno sábado, dia 30, que o seu município havia mudado de nome. A decisão estava expressa num tal “Ato número 30”, afixado à porta principal da Intendência. A estupefação inicial deu lugar à indignação para os que liam os “considerandos” e para os que iam informando, em voz alta, a quem não soubesse ler.

Assinada pelo intendente provisório, Ney de Lima Costa, a medida, que entrava em “vigor imediato”, dizia que a denominação original, além de “irrisória”, “nada significa na tradição histórica desse município”. Já o novo nome, sustentava o dirigente, representava “expressiva homenagem à memória imperecível do indefectível republicano e um preito de gratidão do Rio Grande do Sul ao seu filho benemérito, tombado pelo punhal assassino no dia 8 de setembro do corrente ano na Capital Federal”.

Na presunção do autor do ato, por ele e por um de seus municípios, o Rio Grande do Sul “mais uma vez lança o seu veemente protesto contra o bárbaro atentado que ainda sangra o coração da Pátria, com a perda do inigualável sustentáculo das instituições republicanas”. Na realidade, em que, extraída a adjetivação exagerada, a maioria concordava em homenagear Pinheiro Machado, o que a deixou em pé de guerra foi o desmerecimento à história e à tradição locais. Cacimbinhas era nome oriundo da profusão de mananciais existentes na região, relacionado, ainda, ao milagre da visão recuperada por um cego.

Intendente Ney Paiva deu um canetaço para a troca de nome Foto: Acervo pessoal Nikão Duarte/Especial TP

Ao negligenciar o que era, há décadas, consciência coletiva da população cacimbinhense, o provisório evidenciou ignorância e ofendeu a comunidade. Ao tomar a atitude sem consultá-la, e ao torná-la pública por meio de um papel afixado à porta da sede de governo, feriu os brios dos demais, que reagiriam à tamanha arrogância a partir de então. Suas primeiras ações seriam diplomáticas, buscando convencê-lo a voltar atrás. 1915 teria, ainda, fortes emoções reservadas aos cacimbinhenses, aqui lembradas na data em que a troca do nome do município localizado no Sul do Rio Grande completa 104 anos. Um século e quatro anos de imposição.

(Textos postados em 2019, repostados agora e gentilmente cedidos por Nikão Duarte para que reproduzíssemos).

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