Uma camisa, uma nação

Embora não tenha sido surpreendente, a vitória da Argentina no mundial deste ano não era provável quando víamos que a maioria dos jogadores da equipe não jogam nos melhores clubes da Europa.
Porém, como a preparaçãodas seleções para este mundial foi sendo aperfeiçoada durante a competição, já que o período de treinamentos antes do mundial foi muito curto, duas seleções conseguiram formar boas equipes, justamente Argentina e França. Argentina perdeu na estreia e correu o risco de cair na fase de grupos. França também perdeu na fase de grupos quando inventou uma equipe reserva, já classificada.
Messi chega à glória máxima quando está na prorrogação do tempo de sua vida esportiva. Uma trajetória brilhante como atleta e ser humano. Não tem o vigor de antes, mas ainda tem futebol e liderança suficientes para ser muito importante.
Estou em Buenos Aires desde o dia 09 deste mês. Acompanhei de perto a emoção do povo argentino quando venceu a Holanda, depois a Croácia, quando comemoraram como se fosse um título, domingo, na maior comemoração esportiva que esta cidade deve ter visto nos últimos 36 anos, e terça,quando a seleção e desfilou pelas ruas da cidade. Era tanta gente, quatro a cinco milhões de pessoas, que não foi possível concluir o trajeto. A Argentina foi campeã pela última vez em 1986, quando a maioria dos que ontem estavam nas ruas não havia nascido.
Após a final, andava numa das ruas centrais quando um jovem argentino, que eu não conhecia, puxou conversa em meio à festa, algo bebum, apenas um pouco além do tontinho, e ao saber que eu era brasileiro me perguntou: – Quem era melhor, Messi ou Maradona? Respondi: – Messi é melhor, mas Maradona era mais argentino. Me abraçou emocionado e se foi feliz.
Para os argentinos, a camisa da seleção é um manto sagrado.
Em Buenos Aires, usar a camisa da seleção é motivo de orgulho nacional e de afirmação do poder de um país que vem passando por dificuldades econômicas. A seleção, para eles, demonstra que eles podem mais e que acreditam nisso.
Na véspera do jogo, o sentimento dos torcedores me parecia o mesmo do torcedor do Internacional, entre eles eu, em 2006, véspera do jogo com o Barcelona. Sabíamos que seria muito difícil, mas acreditávamos que era possível. Só vi festa semelhante à da vitória e a da chegada da delegação em Buenos Aires quando o Internacional retornou a Porto Alegre. Aqui em proporções muito maiores.
Lembrei 1970. Tinha onze anos. Embora se diga que o governo usou a seleção brasileira como propaganda do regime, a música falava “noventa milhões em ação (toda população do Brasil na época), pra frente Brasil…”. Na Argentina, a seleção e sua camiseta representam toda nação.

* Originalmente este conteúdo foi publicado no jornal impresso

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