A reportagem do Tribuna do Pampa conta agora uma história que poderia ter um desfecho bastante trágico, não fosse a determinação da protagonista. Há cerca de três meses, a pinheirense Inaiê Bicca, de 30 anos, casada e mãe da pequena Maria Eduarda, pensou em desistir de tudo e tirar a própria vida.
Na época, ela trabalhava como recepcionista em uma Unidade Básica de Saúde (UBS). Segundo relato, já lutava contra a depressão há cerca de três anos, a atividade era bastante desgastante e o relacionamento com o público só piorava. “Quando as coisas dão uma melhoradinha logo pensamos em parar com o remédio e isso é um grande erro, os sintomas da depressão retornam ainda piores. Era depressão, ansiedade, síndrome do pânico – tudo junto e misturado. Lidar com público é delicado. Lidar com público na área da saúde é mais delicado ainda. Tem que ser resolvido tudo pra ontem, xingamentos e ameaças eram comuns de se ouvir. Nos últimos meses, eu não aguentava mais aquele serviço, era grosseira com as pessoas e atendia a maioria sem nem olhar no rosto”, contou.
Até que ocorreu um caso de suicídio no município e ela pensou em fazer o mesmo. “Eu recebi via aplicativo a notícia da morte daquele jovem. Ao invés de ficar triste, pensei: poxa, ele teve coragem e eu nem isso”. Logo em seguida tentou fazer o mesmo. Inaiê foi encontrada a tempo e a história dela foi reinventada pela pessoa mais importante e determinante para isso: ela mesma. Saiu do emprego, procurou tratamento psiquiátrico e se reinventou. Não foi fácil e não ocorreu de um dia para o outro, mas a vida, que até então estava amarga, ficou doce. E isso não é uma metáfora.
“Veio a Páscoa e, com o desemprego, tive a ideia de fazer ovos para vender. A ideia e as vendas foram sucesso. Gostei muito do trabalho, do resultado, dos elogios. Há anos eu não sentia gosto e nem vontade por nada. Resolvi seguir como autônoma no ramo dos doces”, conta com orgulho da decisão tomada.
POTINHO DA FELICIDADE – Com o sucesso das vendas e o prazer encontrado na produção gastronômica, surgiu a ideia de ajudar outras pessoas. “Um dia, comprando embalagens, comprei uns potinhos pequenos e depois que cheguei em casa fiquei pensando o que fazer com eles. Fiquei pensando durante uns dias: eu sentia a necessidade de ser útil, mas não sabia como. Vou colocar doce nesse potinho e vou doar. Mas assim? Do nada? Pra quem? Precisava de um propósito maior e surgiu o potinho da felicidade”, relata.
Desde então, toda sexta-feira, Inaiê prepara o doce, enche o potinho e escreve à mão uma mensagem para um destinatário que às vezes ela nem sabe quem é. “Às vezes precisamos tanto de um apoio, de uma palavra positiva e não recebemos de ninguém. Eu mesma precisava. Então lembrei de umas frases de um amigo psicólogo, copiei algumas num papelzinho e coloquei junto com o potinho. Surgiu aí o “Potinho da Felicidade”. Toda semana ele é doado para um intermediário, que vai presentear alguém na luta contra a depressão, ansiedade, síndrome do pânico ou qualquer outro problema ou fase delicada”.
Entre os recados, frases como “você tem valor”, “você é incrível”, “não se cobre tanto” e “essa tempestade vai passar” já têm dado bastante retorno positivo para a protagonista da nossa história e para quem foi presenteado. Nas redes sociais os agradecimentos: “Eu ganhei o meu e fiquei muito feliz com a mensagem, um gesto de carinho como este na hora que mais precisamos não tem preço”, disse uma contemplada.
Ainda segundo Inaiê, em época de pandemia, a iniciativa também tem servido como um abraço simbólico – já que o isolamento social e o distanciamento físico são medidas essenciais para evitar a disseminação do novo coronavírus. “Espero que essa corrente cresça e que eu consiga alcançar muitas pessoas ainda. Descobri fazendo doces um ânimo e uma força pra continuar, minha vocação é adoçar outras vidas e isso me deixa realizada. Quer um Potinho da Felicidade? Me encontra no Facebook e a gente conversa. Não desiste, acredita, sempre tem alguém orando e torcendo pela gente em segredo. Se cuide”, finalizou.
RESPONSABILIDADE – De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a maneira como os meios de comunicação tratam casos de suicídio pode influenciar outras pessoas a fazer o mesmo. Neste sentido, o órgão conta com um manual especialmente criado para a mídia não fazer da exposição desses fatos um gatilho. “A disseminação apropriada da informação e o aumento da conscientização são elementos essenciais para o sucesso de programas de prevenção do suicídio”, diz no documento.