A dor, a alegria e a saudade

Um dia eu voltarei com certeza mais velho, levando uma cadeira na mão, talvez só, pois poucos irão querer me acompanhar.  Levarei comigo uma câmera na mão como se fosse um turista, e irei visitar a minha infância. Seguirei as mesmas estradas por onde brinquei quando criança, encontrarei casas em ruínas, outras abandonadas, as pessoas já não são mais as mesmas, aquelas não existem mais, mas tão somente a sua lembrança. Vou olhar a grande escola onde fui alfabetizado, a casa onde fui criado por meus pais e onde desfrutei uma imensa felicidade. Farei de cada recanto, de cada curva, de cada atalho, um mapa ilustrado para descrever com minúcias o significado de cada lugar, revisitando todas as memórias do lugar.

Vou procurar aquele lago que chamávamos de açude, aquela jazida rica de uma pedra preciosa que tanto progresso trouxe a um pequeníssimo lugar, proporcionando a melhoria de vida de tantas famílias humildes. Irei até o fundo daquele lindo quintal, tomado de árvores frutíferas, que agora está tristemente coberto pelo avanço desenfreado da mata nativa. Buscarei todas as memórias possíveis, a escola, a casa, o arroio, o meu lar, a estrada sinuosa que eu conhecia na palma da minha mão de criança, até chegar naqueles campos de topografia totalmente irregular, mas que mesmo assim, apesar dos caminhos tortuosos, me levavam até a casa dos meus avós, um refúgio de paz, acolhimento, amor e gratidão.  Lembrarei da figura de meu avô materno, que sentado à beira do arroio comigo ao lado, me ensinava os segredos da pesca, me dizendo sempre que enquanto ali estivéssemos não deveríamos falar, porque o barulho de nossas vozes iria assustar os peixes e não conseguiríamos nosso objetivo.

E depois de tudo ver, irei perguntar cá aos meus botões: De onde eu vim?  Para onde eu fui quando dali saí?  Quem eu era naqueles tempos idos de mais de meio século atrás? Quem eu sou hoje? E o que eu ainda trago de legado daqueles tempos?

E com certeza irei chorar lembrando daquelas pessoas boas, sinceras, que carregavam na alma a pureza da ingenuidade e do amor fraterno. Lembrarei que foi a fase da minha vida onde mais carinho eu recebi, talvez até sem merecer, mas unicamente pelo fato de ser uma criança ainda imberbe, com pouca idade, que buscava nas pessoas mais velhas ao meu redor, as respostas para minhas perguntas, as informações para trilhar os caminhos mais corretos da vida, o esclarecimento para minhas dúvidas, enfim, o aprendizado constante desta escola chamada vida.

Uma parte da vida que foi minha e de tantas outras pessoas que não verei novamente, mas que enxergo cotidianamente na minha memória. O sonho da volta aqueles tempos invade meu sono noturno e transborda com a alegria que embala os sonhos bons, até que acordemos tristes para voltar à realidade, essa mesma realidade em que cada dia a mais vivido, é um dia a menos que se vive, pois existem dores que matam a pessoa sem dó nem piedade, mas não existe dor que doa tanto, como a dor de uma saudade.

E se algo familiar ainda me acompanhar nessa viagem, talvez seja tão somente o vento que ao bater no meu rosto dirá que o homem bom é aquele que não perdeu jamais a candura da sua infância.

Saudades, saudades, saudades!

“Minha salvação começa pela consciência de que nada sou, e de que nada me é devido”.

Umberto Eco

ORIGINALMENTE ESTE CONTEÚDO FOI PUBLICADO NO JORNAL IMPRESSO*

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