SEM TRANSPORTE

A educação no campo e seus desafios: aluno vai a cavalo para a escola estadual de Candiota

Aluno é um dos tantos que ficaram sem o devido transporte escolar durante duas semanas

Heitor percorre cerca de 20 km por dia para frequentar a escola Foto: Divulgação TP

Com o passar dos anos, o avanço das tecnologias e a competitividade profissional exigem muito mais estudos e foco nos objetivos com uma educação de qualidade. Porém, as diferentes realidades entre os alunos, que vão desde as classes sociais como os locais de moradias, acabam gerando oportunidades também diferenciadas.

A educação avançou bastante com a oferta de cursos e graduações gratuitas, mas ainda assim as diferenças existem. Ao contrário de décadas passadas, o transporte escolar, que dificultava, em muitos momentos, a ida para a escola e acabava acarretando alguns casos de evasão escolar passou a ser direito do estudante. Ainda assim, os problemas existem e precisam ser contornados quando os direitos não são atendidos.

Foi assim que fez o aluno candiotense Heitor Geraldo da Silva Horz, de 11 anos, da escola estadual Oito de Agosto, do interior de Candiota. O estudante do 6º ano, residente no assentamento 22 de Dezembro, sai de casa às 11h30, percorre cerca de 10 km com a mochila nos ombros, chega a escola às 13h e amarra o cavalo em uma árvore.

Esta foi a rotina do aluno Heitor, filho de Celio e Clarice Horz, que precisou mudar os horários e utilizar o “amigo” como transporte para acompanhar as aulas de forma presencial – que se tornaram obrigatórias no Estado no início de novembro após mais de um ano e meio de suspensão devido a pandemia de Covid-19, em razão do término do contrato de prestação de serviço da empresa de transporte e o governo do Rio Grande do Sul.

Cabe lembrar que a Prefeitura de Candiota, ao contrário das demais, não possui convênio com o governo estadual para o transporte dos alunos da rede. Em 2017, a administração municipal optou por não renovar o contrato com o Estado devido ao atraso no repasse do pagamento do transporte. Desde então, o transporte dos alunos da rede estadual passou a ser responsabilidade direta e exclusiva do Estado.

O jornal contatou com a titular da 13ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), Miriele Barbosa Rodrigues, que confirmou ao jornal que os alunos deveriam ficar sem o transporte escolar até a última sexta-feira (26). A coordenadora explicou, porém, que durante o período, as aulas estariam ocorrendo no formato híbrido, com utilização da plataforma Google Classroom, ou ainda, aplicativo de mensagem WhatsApp. “Em Candiota temos um transporte com empresa terceirizada, mas que findou na semana anterior. A partir daí finalizamos o processo de contratação de outra empresa para prestar o serviço. Toda documentação já foi entregue ao governo estadual, mas para o retorno do transporte é necessária publicação no Diário Oficial do Estado, pois um contrato não pode ser feito com outro vigente. Acreditamos que até o início da próxima semana tudo estará normalizado”, explicou Miriele, acrescentando que o aluno que não tivesse acesso a internet poderia adquirir o material impresso na escola.

Cabe lembrar também, que a falta do transporte escolar acabou acarretando problemas para os alunos da escola Vinte de Agosto, além daqueles de escolas da área urbana do município, como Jerônimo Mércio da Silveira, Francisco Assis Rosa Oliveira (FARO) e Seival.

ATUALIZAÇÃO – Nesta semana, a reportagem do TP conseguiu conversar com a mãe de Heitor, Clarice Horz, que relatou ao jornal que o transporte ainda não foi normalizado e que o filho continua indo a escola à cavalo. Quando questionada pelo jornal sobre o trajeto percorrido pelo menino, Clarice disse ficar preocupada, porém consentiu por ter sido um a decisão e pedido do filho para frequentar as aulas. “Ficamos preocupados, pois há perigos na estradas e são 10km  pra ir e mais 10km pra voltar, mas até ficamos surpresos pela iniciativa do Heitor em  ir à cavalo. Tínhamos vontade de levar ele de carro, mas o custo é muito elevado. Ao mesmo tempo que ficamos felizes por esta atitude dele, nos preocupamos, mas pedimos a Deus para guardar ele, porque o Heitor gosta de estudar e o estudo ninguém vai tirar dele”, afirmou Clarice.

O jornal também falou com o menino Heitor, que disse se sentir feliz por poder ir a escola de forma presencial. “Na escola aprendo melhor. É cansativo pela distância, mas gosto de andar a cavalo e o custo do combustível é muito alto”, relatou o jovem.

Comunidade se manifesta através das redes sociais

O conteúdo publicado pelo Tribuna do Pampa ganhou grande repercussão, inclusive na imprensa estadual. Foram 166 compartilhamentos, 147 comentários e cerca de 1,2 mil curtidas até a quinta-feira (25).

Diversos elogios foram direcionados ao aluno Heitor pelo empenho e dedicação com a escola, pela persistência em continuar com os estudos presenciais mesmo sem a obrigatoriedade exigida durante o período da falta de transporte. Aliado as felicitações, diversos posicionamentos de cobranças por soluções por parte das autoridades, lembranças de alunos que enfrentaram a mesma situação, porém em uma época em que não havia transporte por parte do Estado.

Confira alguns posicionamentos (sem edição) – que não serão identificados pelo TP:

“Ainda lembro da grande dificuldade que tivemos para os primeiros passos escolares, aí mesmo no Rio Grande Amado. Mas compensa, se posso, modestamente opinar, continue, persevere, parabéns”

“Nota mil para o Heitor e zero para os responsáveis por esse descaso! Nos dias de hoje isso acontecer, o eleitor precisa aprender a usar seu título eleitoral!”

“Parabéns! Esse vai ser alguém na vida, não mede esforços, infelizmente os que tem tudo a disposição pra estudar não dão valor e nem se esforçam. Por outro lado é uma triste realidade a educação no nosso Brasil, algo que era pra ser primordial está cada vez mais desvalorizado ….muitas coisas invertidas ….e tem quem diga que está tudo bem!”

“Me criei indo a escola a cavalo, até 7°ano era nosso transporte, fazíamos 6 km pra ir mais 6 pra voltar, não nos caiu nenhum dedo, ao contrario, só nos faz reconhecer nossos esforços. Parabéns guri”.

“Parabéns a esse garotinho por nada o impedir de estudar, mas nos dias de hoje ele tem direito ao transporte escolar, porque na hora das eleições prometem mundos e fundos pra pessoas, então família procure seus direitos, mas com certeza ele é um menino incrível parabéns”.

“Qual problema ir a cavalo? Ainda bem que tem o cavalo. Na minha época, nem cavalo tínhamos! Caminhávamos 5 km até a escola e depois 5 de volta para casa, não faltávamos e nem repetíamos de ano, não perdemos nenhum pedaço, somos todos trabalhadores e honestos, uma família de oito filhos! Todos muito bem criados e encaminhados, apesar da pobreza, nunca passamos fome! Com certeza esse menino vai valorizar o que estudar e tudo que tiver!”

“Na minha época, na minha época. Me desculpem, mas essa época já passou, os tempos são outros, é dever do Estado providenciar transporte! O negócio é progredir e não regresso!”

“Aqueles/as que estão dizendo, no meu tempo era assim, eu lhes digo, quando eu era criança também fui a aula a pé, a cavalo, etc. Inclusive, na minha adolescência, tive que deixar o campo e ir morar na cidade de favor, e/ou de escrava para continuar meus estudos. Porém, no meu tempo, que é agora, porque ainda vivo, com muita luta, o povo camponês conquistou direitos, entre eles, o transporte escolar, que é financiado com o dinheiro do povo, arrecadado através do pagamento de impostos, portanto, está sendo sonegado um direito adquirido, e, isso é de causar indignação, a todos/as que valorizam, de fato a educação, como instrumento de EMANCIPAÇÃO. Aos que romantizam a escassez de direitos, cabe dizer, que nesse mesmo tempo, de ir a escola, a pé ou a cavalo, não haviam mídias sociais, e vocês não poderiam estar se manifestando. Querem que tudo continue como nos tempos idos? Abram mão de tudo o que temos de acúmulo científico, tecnológico e social, e, não se restrinjam, apenas, a relativizar o RETROCESSO!”

* Originalmente este conteúdo foi publicado no jornal impresso. 

* Matéria atualizada na quarta-feira (1º).

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