
Sérgio leva em seu carrinho uma placa com o pedido de cuidado e proteção aos animais Foto: Sabrina Monteiro TP
Nesta semana, a reportagem do jornal foi até a cidade de Pinheiro Machado conversar com o andarilho, Sérgio Domingos, 53 anos, para saber o motivo de ter escolhido percorrer longas distâncias caminhando, e qual o seu objetivo. Na oportunidade, ele mencionou que pretende ficar um ano no município, antes de seguir viagem.
Durante a conversa, Sérgio contou que começou a vida de andarilho após ter sido um dos atingidos pelo desastre em Mariana, no Estado de Minas Gerais, quando a barragem rompeu e levou a vida de mais de 15 pessoas, incluindo sua esposa e os seus cinco filhos. “Perdi minha esposa, meus filhos e o vínculo com a sociedade, por isso que decidi cair nesse mundo. Infelizmente eu sofro por algumas partes, mas por outras eu sou muito abençoado, pois o povo de todo o canto do Brasil me dá apoio e eu me alimento disso para continuar a minha missão”, contou ele, dizendo que conheceu o país inteiro andando milhares de quilômetros.
Com sua carrocinha e seus animais, ele chamou a atenção de diversos motoristas que o avistaram as margens da BR-293 nos últimos meses, no sentido Pelotas e Pinheiro Machado. Algumas pessoas até compartilharam em suas redes sociais um pouco da história de Sérgio, enquanto outros pediram ajuda para que ele consiga se manter e finalize a sua caminhada pelo mundo.
AJUDA AOS ANIMAIS
Sobre o seu compromisso com os animais, o andarilho disse que vem resgatando todo o tipo de bicho desde Minas Gerais, tirando da rua, dando alimento e a ajuda necessária. “Eu vejo muitas pessoas maltratando e abandonando principalmente cachorros. Então eu pego e coloco no meu carrinho e cuido. Às vezes encontro outros animais também, daí se estão machucados eu faço curativo e quando eles já estão recuperados eu devolvo para a natureza”, disse ele, informando que apenas um dos cachorros irá o acompanhar no restante do trajeto, que é mais velho e já está com ele há bastante tempo.
Segundo Sérgio, além de proteger os animais, outra missão que tem é de limpar as rodovias ao longo do percurso. Ele contou que já presenciou muitos acidentes causados por pneus estourados na pista, e que retira para evitar que outros aconteçam, especialmente envolvendo motocicletas. “Então esse é o meu trabalho, por isso que eu gostaria que reconhecessem, para ajudar e incentivar”.
EM PINHEIRO MACHADO
Com as fortes chuvas das últimas semanas, Sérgio está abrigado de forma improvisada em um prédio que é da Prefeitura, mas que no momento está cedido por cinco anos para a Associação de Apicultores e Apícola Jung e Moreira.
Sobre a situação dele no local, a secretária de Assistência Social da cidade, Jéssica Dutra, informou que por meio de uma lei chamada Benefício Eventual, foi concedido o aluguel social por até três meses, segundo ela, para Sérgio. “Não temos como achar uma casa para ele, e muito menos obrigar alguém a alugar para uma pessoa estranha. Os contatos que temos nas imobiliárias precisam de fiador, e a Prefeitura não pode ser. O contrato é feito com o proprietário no nome dele, e a Prefeitura paga para ele e ele precisa repassar o valor para o dono do imóvel, é desta forma que fazemos com todos”, informou, reafirmando que ele está sendo assistido pelo Poder Público e que foi concedido um aluguel social de até R$ 400, mas que ele não se empenhou em procurar um local até o momento.
Já o presidente da Associação, Júlio Moreira, relembrou que o viajante em primeiro momento ficou fora do espaço, e na oportunidade ele foi procurado para que pudesse acolher Sérgio no local em que se encontra hoje. “Como não tem luz, mas já tem água, acolhemos o seu Sérgio e adaptamos uma entrada para que ele pudesse usar o banheiro e é o que se tem para oferecer. Ele não está desassistido, muito pelo contrário. Já deveríamos estar recebendo maquinário ali para as agroindústrias, mas estamos dando um tempo para que ele possa se arrumar”, ressaltou Júlio.
Sobre a recepção no município, Sérgio disse que está recebendo atendimento de saúde e realizando um tratamento dentário, além de ajuda com os cachorros que tem no momento. Ele também mencionou que está recebendo o Bolsa Família, e que todas as suas coisas foram conquistadas por meio de doações. “E as coisas que eu recebo eu vou distribuindo para outras pessoas que precisam, por isso que não falta nada pra mim. Sempre aparece alguém que me dá um pouco de água e um prato de comida”.
ESTADO ACOLHEDOR
Ao citar o Rio Grande do Sul, ele disse que muitas pessoas o receberam mal, mas que muitas outras o trataram bem também. “Esse foi o único Estado que me recebeu de braços abertos, que me respeitou e eu agradeço muito o povo daqui, e por isso que eu carrego a sua bandeira. Eu sou feliz aqui”, frisou ele, dizendo que em outros estados sofreu preconceito e diversas vezes recebeu urina enquanto caminhava. “As pessoas acabam confundindo a bandeira do Brasil que eu carrego, com o partido do ex-presidente Bolsonaro, mas não tem nada com isso”, comentou.
Quando chegar no Amazonas, Sérgio disse que vai encerrar a missão, procurar uma casa e tentar realizar um trabalho voluntário como vigilante em florestas, pesquisando e denunciando crimes ambientais. Para isso, ele pretende sair de Pinheiro Machado e seguir até Bagé. Logo depois, o destino será a Argentina e em seguida Assunção no Paraguai. De lá, ele disse que vai seguir até o Paraná, São Paulo, chegar em Brasília para falar tudo o que viu no Brasil ao longo da viagem e terminar na capital do Amazonas, Manaus.
Perguntado se precisa de alguma ajuda, a única coisa que ele pediu foi alimentação, roupa e medicamentos para os animais. “Eu sei como é o sofrimento, mas os bichinhos não têm nada com isso. Quando eu achar uma pessoa que seja responsável, vou entregar eles para adoção”, concluiu.
Sérgio é natural de Tocantins, foi abandonado pelos pais e cresceu morando em orfanatos. Ainda quando jovem, morou na rua com outros adolescentes e precisou aprender a sobreviver. Além da família que perdeu em Mariana, ele também ficou sem os documentos e não conseguiu resgatar nenhuma lembrança dos filhos.
ORIGINALMENTE ESTE CONTEÚDO FOI PUBLICADO NO JORNAL IMPRESSO*