Bicicleta

“Em torno de 1970 um ciclista protagonizou uma das façanhas mais incríveis que Pinheiro Machado já viu. Carlitos Gonzales, mexicano, montou em uma bicicleta, desprovida de marchas, as duas horas da tarde de sexta-feira, na Rua Nico de Oliveira, na quadra que, de um lado margeia a praça e do outro, a Prefeitura e o Cine Lux. Um homem de uma estatura média, com cabelos longos e um olhar determinado deu início a uma grande jornada. Os pedais foram arrumados para a primeira pedalada e os pneus balão circularam nos paralelepípedos lisos da quadra. As pessoas se aglomeraram nas calçadas, com olhos atentos em cada volta que o ciclista completava, mas o tempo foi passando e a bicicleta continuava rodando de um lado para outro na quadra. As pedaladas eram lentas, mas o equilíbrio do aventureiro era fantástico. A medida que as horas iam passando as pessoas ficavam cansadas e se ausentavam do local e outras surgiam para apreciar algo inédito na cidade.
A única coisa que carregava na bike era uma vasilha com água que a tomava de vez em quando. A noite veio e Carlitos continuava pedalando na maior serenidade. Com um sorriso no rosto conversava com a gurizada que o acompanhava. Uma dúvida pairava no ar de todos aqueles que lhe acompanhavam: “Será que o mexicano conseguiria pedalar 58 horas consecutivas?” Pela manhã, à tarde e as nove horas da noite ele se alimentou sem parar a bicicleta. Varou a noite pedalando e algumas pessoas ficaram na vigília. O sol da manhã de sábado apareceu, também, para dar uma espiada no homem que enfrentava o sono e o cansaço.
Carlitos Gonzales continuava com o equilíbrio de quem estivesse iniciando a pedalar. Pela tarde de sábado ainda não demonstrava cansaço. A noite chegou e lá estava ele pedalando, pedalando na sua bicicleta Caloy, sobre os paralelepípedos molhados pela chuva que apareceu para benzer o ciclista. Virou mais uma noite, protegido por um guarda-chuva, e o domingo surgiu nublado, para apaziguar o peso que o mexicano carregava nas pernas e o sono que maltratava os seus olhos. Carlitos acompanhou muitos daqueles que estavam lhe prestigiando, entraram no Cine Lux para assistir um filme. A sessão terminou e ele continuava pedalando em direção ao seu objetivo. Quem não acreditou, quebrou a cara, porque o mexicano estava cumprindo com a sua palavra: – “pedalaria até a meia noite de domingo”;
Umas dezenas de pessoas acompanharam as últimas horas de pedaladas do incrível Carlitos Gonzales que foi carregado nos braços até o hotel Quitandinha.”
Caros leitores e leitoras: este artigo é de autoria de um amigo e colega do tempo do curso ginasial na extinta Escola Nehyta Ramos aqui em Pinheiro Machado, Ridgway Avila Veiga, que nós colegas, por acharmos difícil pronunciar e escrever, chamávamos de Devai.
Devai é filho de Calixto Mendes da Veiga e Dalva Ávila Veiga e para quem possa lembrar, seu Calixto tinha um bar na rua Barão do Rio Branco, em frente onde hoje situa-se a Sanar Farmácias. Foi embora de Pinheiro Machado em 1972 e hoje reside em Florianópolis, mas levou consigo muitas recordações de Pinheiro Machado, entre elas, esse episódio marcante do ciclista Carlitos Gonzales em 1970, o ano mágico da conquista do tricampeonato mundial da seleção brasileira no México, primeira transmissão de Copa do Mundo mostrada ao vivo pela TV brasileira.
Ridgwai ou Devai como queiram os leitores, é homem decente, digno, honrado além de estudioso e inteligente na arte da literatura, um escritor permanente de tudo quanto vê e ouve.
A ele o crédito da narrativa acima, e a justa e singela homenagem por nos proporcionar uma viagem no túnel do tempo.
“O amor é uma prisão espontânea, onde todos devem se sentir livres.”

*Texto de Hélio Ribeiro

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