Castilhismo: uma filosofia da República

A coluna de hoje vem à tona para abordar uma obra clássica, que lida com um tema que, pode-se dizer, está intimamente vinculado ao advento da República no Brasil. Trata-se do livro “Castilhismo: uma filosofia da República”, de autoria de Ricardo Vélez Rodríguez, que reconstitui a experiência de estruturação de uma república positivista no Rio Grande do Sul, ao longo de toda a República Velha. Este feito seria alcançado por Borges de Medeiros (1863/1961), que governou o meu estado natal por anos e mandatos à fio, ininterruptamente. E o tema, inclusive, se encontra em voga, considerado o centenário do Pacto de Pedras Altas, que pôs fim à Revolução de 1923 – chegava ao fim o ciclo das reeleições de Borges, mas a experiência acumulada permitiu sua transposição para o plano nacional logo adiante.
Com a chegada da República, especialmente a partir do segundo governo, “[…] aparece a filosofia política de inspiração positivista, que em seus pontos fundamentais se opõe à filosofia política de inspiração liberal, predominante durante o Império”. Desde os tempos pré-15 de novembro, a Escola Militar já vinha sendo reduto de disseminação do cientificismo positivista, notadamente a partir da oficialidade mais jovem, muito pelas influências de Constant, tido como líder. Era enorme o prestígio de Benjamin Constant e, realmente, a doutrina de Comte, penetrando por via da matemática, exerceu grande influência “no pensamento dos cadetes e em determinados meios civis, ajustando-se bem aos reclamos daquela fase”. O positivismo, permitindo-lhes acomodar os anseios libertários com todo um conjunto de valores éticos ligados ao passado, e como tais consagrados, foi um dos veículos propícios para intervenções nos negócios públicos. E entre essas intervenções, sem dúvida, como na participação dos positivistas no movimento republicano, na Constituição de 1891 e na bandeira brasileira.
A filosofia política positivista baseia-se no pressuposto de que a sociedade caminha inexoravelmente rumo à estruturação racional. Esta convicção e os meios necessários para a sua realização são alcançados mediante o cultivo da ciência social. Ante tal formulação, são possíveis duas alternativas: ou empenhar-se na educação dos espíritos para que o regime positivo se instaure como fruto de um esclarecimento, ou simplesmente impor a organização positiva da sociedade por parte de uma minoria esclarecida. Sustentou a primeira atitude, principalmente, Pereira Barreto (1840-1923), o que corresponde ao chamado “positivismo ilustrado”; a segunda foi a alternativa de Julio de Castilhos (1860-1903), seguido por Borges de Medeiros (1864-1961), no Rio Grande do Sul, e por Pinheiro Machado (1851-1915) e Getúlio Vargas (1883-1954), a nível nacional. Esta última foi a versão que prevaleceu.
Pois Vélez resume a prática castilhista – positivismo castilhista – em três pilares: a) a “pureza das intenções”, pré-requisito moral de todo governante; b) o bem público interpretado como “reino da virtude” e; c) o exercício da tutela moralizadora do Estado sobre a sociedade. Aqui, como afirma Ricardo, os direitos dos indivíduos estão a todo momento submetidos ao bem público; a legislação também em função deste, de tal forma que, nas épocas de perigo para a segurança do Estado no cumprimento da sua missão moralizadora, o governo deve orientar a sua conduta “nos princípios fundamentais da ordem, segurança, salvação, existência da sociedade”. Segundo estes princípios, a legislação deve ser empregada nos casos normais. Porém, quando se põe em perigo a segurança pública, devem fechar-se todos os códigos, tudo para a salvação coletiva. O pensamento é perigoso. É um pensamento autocrático. Tratava-se, então, a mais não poder, mesmo que devamos contextualizar a ideia em seu tempo, da aclamação de um governo de homens, não de leis ou de Constituição. Com a mão no gatilho da exceção.
Eis que o pensamento frutificaria muito no universo da República, a partir de vários exemplos e em diferentes épocas, figuras, líderes, locais e focos de tensão. A exceção efetivamente ganharia – ou seguiria ganhando – espaço na era republicana, muito por conta desse pensamento, que tanto foi cultivado nas Escolas Militares e que neles passou a ter tamanha influência, a ponto de ser caracterizado como “a filosofia da República”. Fica, então, a sugestão de leitura.

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