VÍCIO

Especialista fala sobre o tabagismo e seus desafios no tratamento

Médico diz que em média 25% a 30% das doenças em hospitais são de origem do tabaco Foto: Pixabay/Especial TP

Buscando entender o processo de tratamento do tabagismo, o jornal contatou com o médico clínico geral, especialista em tabagismo, Ronaldo Carvalho. Ele falou sobre a doença, seus desafios, processo de recaída e o mais recente, o cigarro eletrônico.

 

A DOENÇA E CONSEQUÊNCIAS

O tabagismo é uma doença crônica universal e que atinge hoje muito mais de 2 bilhões de pessoas no mundo. Segundo o especialista Ronaldo carvalho, o cigarro tradicional possui mais ou menos 4.800 substâncias, sendo uma delas a nicotina, que age no sistema nervoso central causando o prazer, recompensa de usar a droga, e os metais pesados. “Eles são a origem do câncer de pulmão e outros órgãos, pois se depositam ao longo do tempo e vão causando alterações celulares, e com isso a etiologia (estudo das causas) do câncer”.

O médico cita outras doenças originárias do uso do tabaco, como as broncopulmonares, que são muito comuns e 100% dos fumantes têm, desde a bronquite crônica até o grau máximo de enfisema, onde as pessoas já ficam dependentes do oxigênio; além de aspectos circulatórios, com obstruções arteriais, principalmente em membros inferiores, onde as pessoas caminham e precisam parar devido a dor na panturrilha. “Isso são defeitos de circulação e estão intimamente ligados ao tabaco. Isso se deve por uma alteração epitélio endotelial dentro dos vasos, onde as células se soltam e começam a infiltrar gorduras, obstruindo a circulação. Temos aí então aspectos respiratórios, circulatórios e cardíacos em função dos infartos, os acidentes vasculares cerebrais. Então, as consequências do tabaco para a saúde são bastante intensa, drásticas e múltiplas. Se a gente entrar num hospital hoje e tirar todas as doenças que são de origem do tabaco, a gente tira em média 25% a 30% delas. Somente 70% são das outras doenças que não estão relacionadas ao tabaco”, afirmou Ronaldo Carvalho.

 

DESAFIOS

Solicitado a falar sobre os desafios que a pessoa que fuma enfrenta ao tentar parar de fumar, o médico faz referência a sensação de recompensa fornecida pelo cigarro. “As pessoas procuram prazer que é obtido com a droga, neste caso o tabaco, e pra largar é muito difícil, ninguém gosta de abrir mão de prazeres. Mas as conseqüências da saúde que restringe o uso do tabaco, faz as pessoas procurem um tratamento para parar de fumar”.

O especialista fala em dificuldades. “É difícil a iniciativa de procurar um médico, um profissional para minimizar os efeitos da abstinência. Se não procuram, os efeitos da abstinência acontece em todos e muitas vezes são tão desconfortáveis que a pessoa levanta onde está, vai no primeiro bar e compra uma carteira de cigarro e abandonam qualquer tentativa”.

Ele continua. “É preciso ter um apoio, principalmente para os que a gente chama os nicotínicos, que são aqueles que fumam de 20 ou mais cigarros por dia, sendo o primeiro em jejum para repor a nicotina. Esses são os mais dependentes químicos que normalmente necessitam de um apoio farmacológico, muitas vezes psicológico associado para a mudança dos seus hábitos. Por isso sempre orientamos a procurar o serviço de apoio, a farmacologia necessária, também e obrigatoriamente mudar seus hábitos. Todos aqueles hábitos que estão relacionados com o tabaco, principalmente, beber e fumar, que é uma associação muito próxima, tomar um café após a refeição e fumar, enfim, todos aqueles gatilhos que acontecem e que despertam para o uso da droga. Mudar esses hábitos fazendo exercícios físicos, a  dieta e a rotina de vida é um grande apoio em 90% do tratamento”.

 

RECAÍDAS

O jornal conversou sobre as chamadas recaídas de quem tenta parar de fumar e tempos depois volta a usar tabaco. Segundo Ronaldo, o índice é bastante alto de pessoas que voltam a fumar, principalmente por não manter a rotina. “Por alguma alteração na rotina, muitos voltam a usar a droga. As pessoas precisam ter disciplina e dizer não todos os dias e ao final, agradecer a Deus por não ter fumado, assim como aqueles que lutam contra a bebida de álcool. É uma guerra diária, sempre digo aos meus pacientes que largar o cigarro é matar um leão cada dia, pois a vontade de usar persiste e vai diminuindo, mas ela não termina. Podemos fazer uma comparação com o luto, no início, quando perdemos um familiar muito querido, muito próximo, a gente sente muito. O primeiro dia é só aquele pensamento, a primeira semana é muito intensa e daqui a um ano a gente também está pensando naquela pessoa. Com cigarro existe um luto por uma química, que é mais ou menos nessa mesma sequência. Nós temos que aprender a dominar a saudade de usar determinada substância. Então esse é o caminho e é por isso que as pessoas recaem, porque se acham suficientes, é só uma tragada hoje, quando vê, amanhã já está comprando uma carteira de cigarro de novo. Então muito cuidado, se deve evitar a primeira tragada”, orientou.

CIGARRO ELETRÔNICO

 

Está bastante intenso atualmente, principalmente pelo público mais jovem, a utilização do  cigarro eletrônico, também chamado de vape, e-cigarro, que é um dispositivo eletrônico para fumar que simula o tabagismo. É um aparelho mecânico-eletrônico alimentado por bateria, baseado na vaporização do e-suco/e-líquido, onde o usuário inala o vapor.

O jornal questionou sobre os malefícios deste tipo de cigarro. Conforme o especialista, quando se fala em tabaco e nicotina, é preciso estar atento aos derivados como charutos, cachimbos, cigarros eletrônicos, VAPs. Segundo Ronaldo, todos têm as mesmas e diversas complicações do cigarro comum. “Apesar de ser nicotina, as VAPs necessitam de uma caloria muito alta para evaporizar a nicotina. Isso tem dado muitos problemas pulmonares com queima do endotelio, queima de brônquios, com lesões pulmonares irreversíveis. Já houve acidentes com os VAPs, que eles explodiram e causaram óbito em pessoas”, argumentou.

 

LIBERAÇÃO DAS VAPS

O médico manifestou sua opinião sobre uma possível liberação de cigarros eletrônicos. Ele disse ser totalmente contrário. “Somos totalmente contrários à liberação dos VAPs, porque continuam e perpetuam o hábito e o vício da nicotina. Se estamos numa campanha anti-droga, por que vamos liberar outro tipo de meio de usar a mesma droga? É uma incoerência, todos devemos nos preocupar e evitar a proliferação de drogas. Quando a droga (qualquer delas) é liberada, sempre há aumento de consumo, então não tem porque liberar. Mas a tese é essa, se é nicotina, por que a gente vai liberar um outro mecanismo para usar? A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) não permitiu ainda e espero que não mude de ideia”, manifestou.

ORIGINALMENTE ESTE CONTEÚDO FOI PUBLICADO NO JORNAL IMPRESSO*

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