Estancieiros x farras, orgias e jogatinas

Cássio Lopes
Historiador e escritor

Existem assuntos que são um verdadeiro tabu, porém nem tudo são rosas e é necessário também mostrar os espinhos.
Desde os tempos de antanho, a pecuária sempre foi a base e o carro-chefe da economia da região da campanha gaúcha. Ao longo dos anos, muitos estancieiros aumentaram o patrimônio que receberam ou compraram. Outros, por sua vez, colocaram tudo fora, “rios” de dinheiro em farras, orgias e jogatinas (jogo do osso, carreiras em cancha reta e carteados). Se fôssemos enumerar cada um deles, com certeza daria uma tese. Cito, como exemplo, o caso de dois fazendeiros da fronteira, que assim como o “Tio Patinhas”, literalmente nadavam no dinheiro, esbanjando “plata” a torto e a direito.
O primeiro, na década de 1970, trouxe uma “chacrete” para “sestear nos seus pelegos” e “se tapar com o seu pala”. 1
Já o segundo, durante a década de 1980, mandou trazer direto do Programa “Show da Xuxa”, uma de suas “paquitas” para lhe fazer companhia.
E nesse frenesi todo, um quase se pelou e o outro praticamente colocou tudo fora o que recebeu de herança do pai. Algo triste, porém bastante comum antigamente, que foi muito bem retratado através da música “História do Manuelito”, do saudoso Gildo de Freitas:
“Eu sou cria de São Borja/Do rico Torrão Vermelho/Sou Manuelito Rodrigues/Minha vida é um espelho/Fui rico e passei miséria/Sirvo até pra dar conselho/Meu pai grande fazendeiro/Eu fiz muita extravagância/Me agradei da boêmia/Pela minha ignorância/Botei o que tinha fora/E abandonei a estância/Casei em família boa/Com uma rica menina/Eu cheguei a acreditar/Na grande força da sina/Até troquei o meu lar/Por farras e jogatinas/Mais tarde peguei a ver/A água no sirigote/Fui trabalhar de empregado/Devendo e dando pinote/Para cada santo uma vela/Pra Deus devia um pacote/Amigo tive bastante/Só quando eu tinha dinheiro/Porém depois de pelado/Que caí no desespero/Fiquei assim que nem velho/Que sempre viveu solteiro/Mas houve alguém que um dia/Chamou meu pai e contou/Os trabalhos que eu passei/E o velho então me chamou/E assim serenamente/O velho me perguntou – Ô, Manuelito meu filho/Teu viver como se vai? – Tô que nem água de poço/Que se não tiram não sai/Pra me tirar da miséria/Só você mesmo. meu pai/E o velho então respondeu: – Menino você compreenda/Que um homem hoje não pode/Viver mais de pouca renda/Agarre juízo e volte/E tome conta da fazenda/Sou Manuelito Rodrigues/Mas hoje eu tenho juízo/Transformei a minha vida/De inferno pra o paraíso/Quero dar lucro a meu pai/E não dar mais prejuízo/Hoje vivo na fazenda/Ouvindo o berro dos bichos/Jogatina e boemia/Hoje eu considero lixo/Eu quero que o povo diga/O rapaz criou capricho/Lá na fazenda São Roque/O serviço me distraí/Hoje o dinheiro que eu ganho/Em jogatina não vai/Garanto que desta vez/Vou dar prazer pra o meu pai/ O Manuelito Rodrigues/Fiz estes versos para ti/Também vai o meu abraço/Lá pra o Itacurubi/E avisa esses Dornelles/Que eu breve vou por ai”.

Fontes: 1 – Trecho da música “Sestiando nos meus pelegos” do Gaúcho da Fronteira:https://www.letras.mus.br/gaucho-da-fronteira/sestiando-nos-meus-pelegos/; 2 – https://www.letras.mus.br/gildo-de-freitas/1512738/

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