SUPERAÇÃO

Ex-apresentador da RBS TV Bagé lança livro com relatos da recuperação após sofrer um AVC de tronco

Roni César Padilha foi coordenador de Jornalismo e apresentador da RBS TV, estando à frente do Bom Dia Rio Grande, Jornal do Almoço e RBS Notícias

Por Nael Rosa

Roni ficou bastante conhecido na região pela atuação regional Foto: Divulgação TP

“Cheguei em casa, me deitei para descansar, e não consegui. Peguei o livro, li a apresentação, continuei a ler e só parei porque tinha que escrever. É um relato muito real e cruel, onde ele, que é um sobrevivente, se superou em cada palavra. Acho que não conseguirei dormir sem ler mais, pois é o tipo de narrativa que ganha o meu coração e que sei, teve um final feliz”, resumiu a jornalista Eunice Garcia, da cidade de Pinheiro Machado.

Já a estudante uruguaianense do 8º semestre de Fisioterapia da Unipampa, Marilene da Silva Dora, 57 anos, garante: “Nunca tive tanta fome em ler um livro, mas esse devorei. De sábado para cá, concluí toda a leitura, parando apenas para fazer as tarefas da casa e para ir ao trabalho. É uma obra que te prende do início ao fim com o mesmo interesse e curiosidade. A trajetória, a garra e  a superação dele,  tudo muito emocionante”.
Os dois depoimentos e opiniões acima que foram concedidos ao Tribuna do Pampa, resumem parte das sensações provocadas em quem já leu ou, ao menos, começou a ler, o livro “Renascer Silencioso: relatos de vida após um AVC de tronco”, lançado recentemente e que em 128 páginas, conta parte do processo de recuperação enfrentando pelo radialista Roni César Padilha, que entre 1986  e 2003, foi coordenador de Jornalismo e apresentador da RBS  TV, estando à frente do Bom Dia Rio Grande, Jornal do Almoço e RBS Notícias, nas sucursais de Bagé, Cruz Alta e Uruguaiana, cidade onde reside com a família.
A OBRA
Na obra literária que levou três anos para ficar pronta e sendo digitada apenas com os dedos indicadores, Padilha recorda boa parte dos 13 anos de sua recuperação após o acidente vascular cerebral ocorrido em 2 de janeiro de 2011, quando o comunicador, aos  44  anos estava no auge da carreira. Na época, Roni se destacava em peças publicitárias veiculadas em rádios do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Mato Grosso, além de percorrer o estado para ministrar cursos de dicção e oratória para aqueles que intencionavam ou já atuavam na área da comunicação, rotina extenuante que ele admite ter contribuído para o Acidente Vascular Cerebral (AVC), responsável por deixar nele sequelas que precisará conviver por toda vida.
“Meu pai e minha mãe morreram em consequência de AVC, ou seja, faz parte da minha genética o fator hereditário. Mas não somente isso, já que ignorei contínuos avisos que recebi do meu otorrinolaringologista. Ele me alertava sobre os riscos que eu corria em virtude de estar muito acima do peso. Mas é aquela coisa: você acha que isso nunca vai acontecer com você. Então, o que ele dizia entrava por um ouvido e saia pelo outro. O resultado disso, é que infelizmente, aconteceu comigo”, lamenta.
Ele ainda comenta a rotina agitada. “Depois de 15 anos de RBS, durante outros 10 anos eu passei a viajar por todo o estado para dar aulas em 12 unidades do SENAC – Serviço Nacional de aprendizagem Comercial. Era uma vida desregrada, sem horários para me alimentar e também para descansar. Ao final de cada dia ensinando técnicas de dicção e oratória, eu, ao chegar ao hotel, nunca antes das 23h, comia um lanche e, a seguir, entrava a madrugada gravando comerciais para quem requisitava a minha voz. Zero de exercícios físicos, vida sedentária, uma rotina frenética e louca e, consequentemente, o AVC”.
TESTE DE FÉ
Nos muitos capítulos do livro que custa R$ 50, já incluídas as despesas postais e que pode ser adquirido através das redes sociais do autor, ele conta, entre tantos outros acontecimentos, os momentos em que, após nove dias em coma na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), recobrou a consciência e, mesmo percebendo que não conseguia falar ou se movimentar, agradeceu a Deus pela vida que, para ele, mesmo com limitações, teve continuidade. “Além de não falar e ter qualquer movimento, eu também não conseguia ver. Mas percebi estar no leito ao lado, um senhor que, mais tarde, eu soube que teve a casa destruída pelo fogo e, nesse incêndio, a esposa havia morrido. Ele gemia muito. Percebi que ele estava com muita dor, algo que eu não sentia. Naquele momento me conformei e agradeci a Deus por estar vivo”, relembra.
Ainda sobre sua fé, ele, que revelou não ser simpatizante ou praticante de nenhuma religião, concorda que, para muitas pessoas acometidas por doenças graves, é algo normal se revoltar contra Deus, em quem ele afirma acreditar,  e com isso, no mínimo ver a fé balançar, o que assegura, não ocorreu. “É claro que, mesmo rapidamente, fiz sim a pergunta: por que eu? Mas voltei ao passado e me lembrei do tipo de vida que eu levava, chegando à conclusão que contribuí para ter o derrame. Se essa foi a vontade de Deus, que certamente não estava contente com o que eu fazia, então, resta a mim aceitar minha nova condição e agradecer a ele por me dar uma nova chance”.
A VOZ E A RECUPERAÇÃO
Sobre o seu maior instrumento de trabalho, ele garante que, ao ouvir os inúmeros arquivos de áudio nos quais a voz limpa e atrativa aos ouvidos se destaca, e que por consequência da doença nunca mais será uma realidade, ele nem mesmo fica triste. “Não me revolto ao ouvir a voz que eu tinha até então. Tudo bem, isso agora faz parte do passado”.
Na luta para voltar a falar e andar, o que levou entre oito meses e um ano (ele não tem certeza) Roni Padilha conta que, para ter a assistência necessária após a alta do hospital e ir para casa, a família precisou vender um carro e, com o dinheiro, contratar e pagar três enfermeiras com as quais, inicialmente, se comunicava apenas com os olhos.
“Eu piscava uma vez para sim e duas vezes para não, e elas, que aprenderam essa técnica na formação, entendiam o que eu queria no momento. Quando tornei a falar e me movimentar sem ajuda, descobri que meu plano de saúde contemplava o “Home Care”, o que significa,  que ele cobria a assistência que eu precisava e pela qual, por desconhecimento, tivemos que pagar”.
O APOIO FAMILIAR
O radialista disse ser extremamente grato a companheira, com quem está casado há 23 anos e com quem têm dois filhos. Ele contou que sua experiência vivida com a doença o fez se aproximar de outras pessoas acometidas pelo AVC, ouvir e ler relatos de abandono por parte da família numa fase da vida em que é essencial ter a família dando suporte.
“Quando se tem um AVC, todos à sua volta mudam suas rotinas e, consequentemente, suas vidas para cuidar do doente. Não é algo fácil, assim, é  comum o cônjuge, os filhos e os amigos se afastarem na hora que você mais precisa. Eu tive a sorte e a graça da minha esposa, que, inclusive, estava com oito meses de gravidez quando tudo aconteceu, e também meus filhos, não me abandonaram e ainda hoje cuidam de mim. Sou muito grato a eles”.
Ao falar sobre o período, Simone Dorneles admite que não foi e não é uma tarefa fácil enfrentar os tantos desafios que surgem com frequência para quem está ao lado de um avecista, mas que segue firme e, mesmo que eles não tenham selado o matrimônio na igreja, pratica o prometido quando um casal decide formar uma família – juntos na saúde e na doença. “O momento mais difícil foi quando o Roni entrou em coma, foi entubado e eu não estava no hospital. Quando completou 28 dias de internação, o neurologista perguntou quando eu iria dar à luz. Respondi que seria em 10 de fevereiro. Soube então que ele daria alta ao meu marido, assim, eu deveria estar com tudo pronto em casa para recebê-lo. Ocorre que, na minha cabeça, ele sairia do hospital apenas precisando de fisioterapia. Mas não: o Roni não movia nada além da ponta dos pés e os olhos, tinha uma sonda para se alimentar, urinar e ainda uma tráqueo que deveria ser aspirada com frequência”, recorda a esposa.
Simone falou sobre o momento doloroso passado pela família. “No início foi muito doloroso para eu aceitar aquela situação, pois estava grávida. Questionei o  motivo de isso acontecer conosco logo quando nosso menino ia chegar. Mas superamos o tratamento, as incertezas, as terapias e também a depressão que o atingiu. O Roni se tornou uma pessoa muito dependente no sentido de querer atenção. Costumo dizer que tenho três filhos e ele é um deles. Conversamos e ajustamos as coisas que atrapalham o nosso dia a dia já que trabalho e isso faz com que eu me desdobre para dar conta de tudo e ainda a atenção que ele requer, mas sempre juntos, por nós e por nossa família”.
FUTURO
Quanto ao novo ofício – escritor – Roni César Padilha garante que não pretende se tornar um autor famoso, mas que já tem anotados outros 60 relatos onde ele é o personagem principal e que também se referem a situações ocorridas após o AVC.  Portanto, o volume 2, com suas experiências, será o seu próximo passo.
“Sem maiores pretensões nessa área. Sou apenas um radialista, pois não consegui concluir a faculdade de Jornalismo na Urcamp, em Bagé. Mas escrevo há 7 anos e isso vou continuar fazendo. Assim, outro livro com relatos da minha recuperação vem aí, mas espero começá-lo, terminá-lo e lançá-lo, em no máximo um ano”, arremata.

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