Galeria de brasileiros ilustres

Há muita vida, muita grandeza em nosso passado. A história brasileira é fecunda em brilhantes episódios, em gloriosos exemplos, que devem ser guardados com carinho pela gratidão nacional. A causa da liberdade no Brasil possui retratos célebres. Porém, não raramente ingratos, nós, os pósteros, relegamos o passado e olhamos com desdenhosa indiferença para aqueles que nos legaram uma nacionalidade. Não são poucos os que jazem no esquecimento, mesmo tendo grandes feitos, em decorrência de gerações futuras que, incensadas por um presente imaginário, relegam ao nada o passado, que vez ou outra ensina ou pode ensinar muito.
Estamos no bicentenário da Independência, inclusive. E as comemorações têm sido muito tímidas, para não dizer inexistentes. Foi-se o tempo, parece-me, em que livros comemorativos eram lançados. Outras obras de época eram reeditadas. E exposições eram realizadas. Momentos, enfim, em que a cultura, a partir de uma riqueza multidisciplinar, vinha à tona para registrar um momento histórico importante na história do país. E a Independência, convenhamos, controvérsias à parte, é relevante.
Eis que, no fim de semana passado, perpassava eu pelas estantes do escritório em busca de alguma leitura aleatória. E encontrei. Falo aqui de uma obra esquecida, composta de relatos documentais e históricos acerca de biografias e personalidades brasileiras. Trata-se, pois, do livro “Galeria de brasileiros ilustres”, escrito por um francês, radicado no Rio de Janeiro, chamado Sébastien Auguste Sisson. A obra, composta por dois volumes, reeditada pelo Senado Federal em 1999, foi publicada originalmente em 1858 e 1861, abrangendo período central na história da Nação brasileira (Independência, Primeiro Reinado, Regência e parte do Segundo Reinado). Para o autor, a missão da obra se resumiria a “transmitir à posteridade os traços dos principais personagens do heroico drama da Independência do Brasil, e daqueles outros que, herdeiros desse legado, dirigem o país em sua marcha regular”.
Desde a Independência até hoje há mais de um exemplo eloquente para atestar a grandeza histórica de expoentes lumiares brasileiros, como José Bonifácio, dentre tantos outros. Falarei sobre uma dessas luzes, de uma figura que compõe um lugar de destaque no pórtico de nossa história política, qual seja Martim Francisco Ribeiro de Andrada.
Embora sem muitos holofotes, pode-se dizer que Ribeiro de Andrada é um dos apóstolos mais devotados das nossas liberdades, além de um dos grandes obreiros da nossa Independência. Sua vida foi marcada por uma reação enérgica contra o passado colonial e por um protesto eloquente contra o absolutismo monárquico e mesmo contra um despotismo esclarecido. Homem das letras, “todo entregue às indagações da ciência”, Martim acabaria logo tragado pela política.
Retirado o Rei Dom João VI de volta a Portugal, o Brasil, que, desde 1808, com a fuga da família real em razão da invasão das tropas napoleônicas, havia se tornado a sede do Reino Unido de Portugal e Algarves, tornara-se novamente uma país colonizado, aferrado aos mandos da política metropolitana. Mas os ventos da libertação política já sopravam. A empreitada, todavia, era difícil: seria o Brasil entrando em combate contra um reino que o havia assenhorado por mais de três séculos. E, tão difícil quanto declarar essa ruptura, seria mantê-la. Recursos financeiros também seriam necessários. E é aí que Martim Francisco acabaria surgindo na cena da política nacional, tornando-se, a 04 de julho de 1822, o Ministro da Fazenda da Independência, tendo exercido o posto em um momento crítico.
A Independência do Brasil seria consumada e, com ela, uma Constituição deveria ser dada ao país, de modo a formalizar o pacto conformador da nova organização política que se inaugurava. E o ápice da sua atuação se daria exatamente aí, em plena Assembleia Constituinte de 1823. A tribuna reservou-lhe o triunfo do verbo, a preeminência do orador, sendo que a sua palavra ecoou com a altivez de um tribuno da liberdade. Defendeu a limitação do poder da Coroa. E as liberdades individuais. E denunciou a truculência que se avizinhava, a qual, a mando do Imperador, faria fechar ali adiante o colegiado constituinte – “trata-se de um dos maiores atentados contra a dignidade nacional e contra o sistema político por nós adotado e jurado”. Suas palavras feriram o poder. E foram a sentença da Assembleia. Tratava-se de um alerta. De algo que se cumpriu. A força que derrubou a Constituinte derrubaria décadas após o Império todo. E o resto é história.

* Originalmente este conteúdo foi publicado no jornal impresso

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