“La Copa se mira…” (parte II)

Na última coluna eu prometi contar a você sobre aquele que, para mim, é o MAIOR JOGO DA HISTÓRIA DO GRÊMIO. Mais do que apenas um jogo de futebol, um verdadeiro incidente diplomático internacional. O ano era 1983. A Argentina estava às voltas com a Guerra das Malvinas, contra a Inglaterra. Grêmio e Estudiantes tinham que jogar em solo portenho pelo triangular semifinal da Copa Libertadores da América. E quis o destino que, exatamente na semana do jogo, um pouco antes da viagem a La Plata, um avião INGLÊS precisasse abastecer na Base Aérea de Canoas…

Fato amplamente repercutido pela imprensa argentina, e que transformou uma partida que naturalmente já seria uma batalha campal – como eram, naquela época, todos os jogos de Libertadores em solo onde se falasse espanhol –, em um momento de afirmação do nacionalismo dos nossos hermanos.

A partida estava marcada para o temível Estádio Jorge Luis Hirsch, a respeito do qual o que de melhor se dizia é que até os argentinos tinham medo de jogar lá. Um alçapão com arquibancadas de madeira cuja casamata de madeira do time visitante possuía “buracos” para permitir que os torcedores pudessem agredir os reservas do time adversário com taquaras; cujas grades eram presas apenas por canos de PVC, permitindo que o alambrado fizesse um assustador movimento de vai-e-vem em direção ao campo; e cujo único acesso aos vestiários permanecia chaveado durante todo o jogo, sendo aberto apenas no intervalo e ao final das partidas. Enfim, uma jaula sem saída, “protegida” naquela noite por policiais que apenas repetiam: “Vocês deram colher de chá para os ingleses, agora aguentem”.

E o jogo, em si, apenas refletiu a atmosfera do ambiente, com uma torcida ensandecida exigindo uma justa reparação ao sentimento de orgulho nacional ferido. “BRASILEIROS TRAIDORES”, gritavam. Não por acaso o Estudiantes teve quatro jogadores expulsos. O primeiro deles recebeu cartão amarelo antes mesmo de o jogo iniciar, acabando por ser expulso ainda no primeiro tempo. O jogador China disse que “o cara espumava, parecia um doido. E não tinha exame antidoping”. O jogador Tonho, quando foi entrar em campo, levou uma cadeirada nas costas. O Mazzarópi foi agredido por um repórter, com um soco, em meio à partida. É isso mesmo: o repórter simplesmente entrou em campo e deu um soco nas costas do nosso goleiro, com a partida em andamento. Já a saída para o intervalo foi outra guerra, tendo o jogador Caio sido emboscado pelos argentinos dentro do túnel e sido severamente agredido, precisando ser substituído. Um dos “bandeirinhas” levou um tijolaço na cabeça, o que talvez possa tê-lo influenciado a marcar um impedimento absurdo invalidando aquele que seria o quarto gol do Grêmio. A deslealdade nas divididas era impressionante, ao passo que o clima entre jogadores e comissão técnica era de absoluto temor, tanto que o técnico Valdyr Espinosa afirmou anos mais tarde que mesmo tendo sofrido o empate em 3×3 quando tinha quatro jogadores a mais, “a gente chegava quase a torcer para que eles fizessem 4×3 para a gente sair vivo de lá. Não era questão de perder o jogo, era morrer”. “Eu não quero morrer aqui”, dizia o dirigente Tullio Macedo. Um importante jogador afirmou que “tivemos que deixar eles empatarem o jogo, senão ia morrer gente”. E ainda era preciso retornar para o vestiário após o final do jogo, empatado em 3×3… Reza a lenda que isso só foi possível porque o massagista “Banha”, um homem grande e gordo (os apelidos nunca são por acaso), postou-se por último na fila, de costas para os jogadores e de frente para os seus perseguidores, com uma tesoura de vinte centímetros de lâmina nas mãos. E as lendas, como se sabe, não precisam de comprovação mas apenas de um ponto de partida (Ruy Carlos Ostermann).

Somente duas pessoas não sentiram o ambiente hostil daquela noite fria. Uma delas o árbitro uruguaio Luis de La Rosa, homem corajoso que expulsou quatro jogadores argentinos; o outro, um gaúcho nascido em Guaporé, filho da dona Maria Tedesco Portaluppi, que após marcar o terceiro gol do Grêmio correu em direção à enraivecida torcida pincharrata que ameaçava invadir o gramado e, com o dedo indicador em riste, fez sinal para eles CALAREM A BOCA… Para completo desespero dos demais jogadores e da comissão técnica.

Eu sei, eu sei querido leitor e querida leitora, também pensei o mesmo: “Coisas de Renato

O fato é que o Grêmio sobreviveu à “Batalha de La Plata”, rumando em direção ao seu primeiro título continental. Em uma época em que para ser campeão não bastava apenas saber jogar bom futebol. Era preciso saber guerrear. Uma época em que os argentinos diziam, de forma debochada, que “LA COPA SE MIRA Y NO SE TOCA”, ou seja, todos podiam sonhar com o título mas só eles podiam tocar o cobiçado troféu.

Eu, pessoalmente, gosto de pensar que foi lá, naquela noite de 08 de julho de 1983, que o Grêmio conquistou, com sangue, suor e lágrimas – e muitas cicatrizes –, o direito de estufar o peito e enfim poder gritar também em azul, preto e branco: “La Copa se mira…Y SE TOCA”.

Boa semana e até a próxima !!!

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