
Com o debate do Plano Diretor de Candiota, veio à tona a discussão sobre a nomenclatura oficial do principal núcleo urbano do município. Foto: Bruno Tolfo/Especial TP
Candiota, por ser uma cidade polinuclear e não mononuclear como a maioria das cidades ao redor planeta, parece viver uma espécie de crise de identidade. Não é possível precisar onde de fato é a cidade em si, pois o município, que tem uma zona rural bem definida, possui, em contrapartida, seis núcleos habitacionais urbanos bem distintos e distantes entre si.
Essa discussão ganha contornos interessantes no debate do Plano Diretor, que cumpriu na última sexta-feira (24), mais uma etapa importante, quando, em audiência pública, foi apresentada a minuta do projeto de lei que será remetido à Câmara de Vereadores.
Na oportunidade se levantou a questão, indagando o fato da localidade de Dario Lassance não mais existir do ponto de vista legal, pois, através de um projeto de lei aprovado pela Assembleia Legislativa em 1997, quando se definiu a sede do município como sendo a localidade, também se atestou que ela passava a se chamar a partir daquele momento de ‘Cidade de Candiota’, deixando para trás o antigo nome do distrito bageense e que homenageava o engenheiro Dario Lassance.
Na época, concorreram para também ser sede do município as Vilas Residencial e Operária, contudo, como ainda pertenciam a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) foram descartadas do ponto de vista legal.
Como desdobramento desta lei aprovada pela AL-RS, a Lei Orgânica de Candiota, em seu artigo 8º, é expressa sobre a extinção: “A localidade de Dario Lassance, que é a sede do município, passa a denominar-se Cidade de Candiota”.
Assim, atualmente, do ponto de vista legal, Dario Lassance como localidade não mais existe, contudo empresta nome a três locais distintos em Candiota: à escola estadual, à praça central e ao ginásio municipal – todos localizados na sede do município.

Durante a audiência pública realizada na última sexta-feira (24), quando da apresentação da minuta do projeto de lei, o assunto foi debatido Foto: J. André TP
SEM FORÇA AINDA – A legislação que definiu a sede como sendo Cidade de Candiota, de fato, nunca teve força, pois popularmente e culturalmente, a localidade continuou e continua a ser chamada de Dario Lassance. Também nunca houve esforço para esta mudança, assim como poucas pessoas conhecem o fato.
Mais que isso, no próprio esboço do Plano Diretor, bem como, em leis ordinárias e até mesmo no Código de Posturas do município e documentos oficiais expedidos pela Prefeitura e Câmara de Vereadores, o maior núcleo urbano candiotense e que concentra a sede do Poder Executivo, a rede bancária, a Delegacia de Polícia, os principais comércios e a maior população, seguiu sendo chamado de Dario Lassance, inclusive, contrariando a lei maior que a extinguiu enquanto nome.
Para o coordenador do Plano Diretor de Candiota e Hulha Negra, professor da Universidade da Região da Campanha (Urcamp), o arquiteto Leonardo Castilho, a lei que trocou Dario Lassance por Cidade de Candiota deveria ser mudada, pois no seu entendimento, todas as localidades são um pouco da cidade, além do que, os estudos, segundo ele, mostram a sede sitiada por mineração e com restrições de crescimento futuro.
Conforme Leonardo, o projeto que organiza Candiota, ou seja, o Plano Diretor, está baseado na possibilidade da cidade um dia se unificar entre os seus vários núcleos urbanos, bem como, se transformar em duas. “Quem sabe teremos uma cidade ao Sul e outra ao Norte”, projeta o professor, lembrando que o Plano Diretor divide Candiota nestes dois hemisférios, tendo ao Sul a Vila Residencial e o antigo núcleo habitacional de Dario Lassance, hoje Sede do Município ou Cidade de Candiota e, ao Norte, Vila Operária, São Simão, João Emílio e Seival.
A procuradora do município Luciane Cruz, ratificou o fato de Dario Lassance não existir mais, lembrando que na época que a lei foi aprovada pela Assembleia Legislativa, se impôs, por força da legislação, que o núcleo urbano onde seria a sede do município teria que conter obrigatoriamente a palavra Candiota ou senão, mudar o nome da cidade para Dario Lassance, caso se quisesse manter esta denominação e a localidade como sede.
ESTUDO – Durante a audiência pública, alguns defenderam que a lei que revogou a localidade de Dario Lassance deve ser ignorada, mantendo-se a cultura popular em chamá-la assim. Essa tese chegou a ser colocada em votação durante a audiência, indagando-se aos presentes se mantinha a nomenclatura antiga.
Defendendo o uso da legislação, a secretária de Planejamento de Candiota, Fernanda dos Santos (pasta que após aprovado o Plano Diretor será a responsável pela aplicação, eficácia e sua revisão), lembrou que há iniciativas paralelas de aprovação de uma legislação também estadual, para que Candiota seja reconhecida como tal até nas emissões de passagens rodoviárias. “Temos o absurdo das passagens terem como destino a denominação de Terminal CEEE e não Candiota”, expôs, colocando mais um contorno de relevância ao tema.
Sem consenso, o assunto ficou de ser mais bem estudado antes do projeto de lei ser remetido em definitivo para a Câmara de Vereadores – que também pode debater a questão, pois, afinal de contas, como o Plano Diretor se trata de uma lei, não pode – sob pena de confusão jurídica -, contrariar a legislação maior do município, qual seja, a Lei Orgânica, que define claramente como Cidade de Candiota o nome do principal núcleo urbano candiotense.
Três locais levam o nome oficial de Dario Lassance

Escola Dario Lassance Foto: J. André TP

Praça Dario Lassance Foto: J. André TP

Ginásio Dario Lassance Foto: J. André TP
Um pouco de história

Engenheiro ferroviário Dario Lassance Foto: Acervo da EEEF Dario Lassance/Especial TP
Não há precisão da chegada do engenheiro Dario Lassance à localidade. O fato é que ele trabalhava na Viação Férrea do Rio Grande do Sul (VFRGS) e exerceu cargos de chefia, segundo relato do livro Candiota – Terra de riquezas e conquistas – uma viagem no tempo, de autoria de Tailor Lima.
De acordo com registros históricos da VFRGS, em 1917, um técnico inglês de sobrenome Appleby organizou uma companhia para exploração de uma jazida de carvão próximo às atuas ruínas do casarão de pedra junto à atual sede da CRM.
Ali foi então estabelecido um desvio ferroviário que levava às minas. Não se tem a data de inauguração do desvio que levou o nome do inglês, mas possivelmente foi posterior ao estabelecimento da empresa de Appleby.
Em agosto de 1930, o “Desvio Appleby” foi elevado a Parada com o nome de Dario Lassance, que faleceu um mês antes, conforme relatório da VFRGS.
Em 1935, a Parada passou a Estação, sendo que em seu entorno, nas proximidades do atual CTG Luiz Chirivino começou a nascer o povoado, sendo um distrito de Bagé até 1992 – ano da emancipação de Candiota.
Falta de definição e aplicação da lei gera confusão

Prova da confusão: placa indica os dois nomes Foto: J. André TP
Como dito, legislações importantes e até manifestações e documentos oficiais, seguem contrariando a legislação que sepultou o nome Dario Lassance como sendo um bairro ou uma localidade de Candiota.
A indefinição ou inobservância da própria Lei Orgânica do município gera outras confusões até pitorescas, senão vejamos.
Uma conhecida rede de materiais de construções, com filial em Bagé, oferece, por meio de uma propaganda de rádio, frete grátis uma vez por semana para as localidades de Hulha Negra, Dario Lassance e Candiota. E o texto da propaganda arremata: “Tudo isso para contribuir com o desenvolvimento desses municípios”, ou seja, tratando o antigo distrito como um município.
Pela rodovia Miguel Arlindo Câmara (MAC) nos dois sentidos de chegada à localidade, as placas se indefinem quanto ao nome, grafando Cidade Candiota e Dario Lassance.
No Facebook e Google, no quesito localização, o tratamento é Dario Lassance e por certo foi inscrito na internet por alguém que desconhecia a legislação.
Vale lembrar que a Vila Residencial até a emancipação também era chamada de Candiota, mas esta denominação perdeu força, sendo ainda chamada assim somente pelos mais antigos. Aliás, neste tocante, a Vila Residencial é tratada pela companhia telefônica (Oi) como um município.
Outra situação controversa é que a Cidade de Candiota já é dividida em bairros, como Loteamento Cimbagé, Morada do Sol, Residencial Candiota, Portelinha, Vila Airton, Residencial Viver Melhor, Loteamento Raupp e Centro, criando outra confusão no endereçamento, pois se utilizar Dario Lassance como bairro, pode dar a entender que se mora num bairro dentro do outro.
Pela indefinição também, a sede do Poder Legislativo foi construída a 10km longe do Executivo, os ônibus rodoviários não entram na sede e a agência dos Correios está fora da área central.