Os brigões

Semana passada narrei uma história que o Edmundo contava, “Sem Assunto”. Volto a registrar mais uma das suas, já que ele não terá tempo para escrever.

Pouco depois de passado o primeiro quarto do século XX, muitos homens eram rudes, de pouca instrução, de trabalhos braçais, pesados, agressivos. Vivia-se de forma algo primitiva naqueles rincões do centro-sul do Rio Grande, de estradas de chão batido, sem energia elétrica que passasse por perto, bebendo água do poço ou do córrego e gelando a bebida na corredeira do riacho, no fundo do poço ou do rio.

Homens que recebiam, olhando meio que de viés, alguns imigrantes alemães que adquiriam terras e por ali começavam a vida numa atividade “esquisita” como a agricultura e também se estabelecendo como ferreiro, mecânico, em alguma outra profissão de prestadores de pequenos serviços e até instalando pequenos negócios, que hoje chamamos de indústrias de transformação.

A integração entre as etnias começou em razão do comércio, das festas, das carreiras de cavalo e também porque tudo girava em função do trem, o meio de transporte mais eficaz da época. Enfim, todos se encontravam na Estação.

Alemães casavam entre os seus. Nos bailes, no salão, brancos e negros dançavam separados por uma corda. Cheguei a ver isso, quando criança, nos anos sessentas, em um lugar. Entre os nativos, usar a expressão “aquele alemão” ou a expressão “aquele negrão” tinha, em muitos casos até hoje têm, uma manifestação de racismo semelhante.

Parece que foi a tentativa do Justino de se engraçar com a filha loira do patrão que desencadeou o episódio.

O Justino era homem de lides de campo, e só. Vivia na dura lida que aprendeu sem que ninguém ensinasse, incluindo aqui as arruaças, as bebedeiras, as brigas onde diziam que era “dos bons e estava em todas”. Tinha também suas virtudes, era trabalhador, dos melhores, e foi isso que fez com que o Klauss o convidasse para trabalhar na ferraria e na lavoura. Este, chegou da Alemanha e trabalhou numa cidade portuária por dois anos até se estabelecer na pequena propriedade que conseguiu adquirir. De boa formação cultural, chegou a iniciar a faculdade de agronomia em sua terra natal, um homem polido, diziam que, de tão polido, parecia “uma moça”. Um pai zeloso a arraigado aos seus valores.

Um dia, circulando pela estrada onde um que outro passava, o Edmundo encontra, caído e gemendo, o Justino, com boa parte da buchada de fora, o que se deu em razão de um único talho monumental que alguém havia desferido no infeliz agonizante.

– Quem te fez isto, homem? Perguntou o Edmundo, sem saber o que fazer.

– O Klauss, respondeu o moribundo, quase sem conseguir falar.

Por um momento aquilo me pareceu um absurdo, inimaginável, alongava a conversa o Edmundo, visando rebuscar o causo. Perguntou:

– Mas como vocês brigaram?

E o infeliz, prestes a partir desta para melhor, conseguiu explicar:

– Brigamos como dois machos!

ORIGINALMENTE ESTE CONTEÚDO FOI PUBLICADO NO JORNAL IMPRESSO*

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