Por que devemos defender a Justiça Eleitoral?

São conhecidos os discursos atuais que visam atacar o sistema de votação brasileiro, assim como a instituição da Justiça Eleitoral. Tais infelizes falas têm sido expressadas pelas ações de várias personalidades públicas, da planície ao planalto, inclusive por aqueles que, eleitos a partir deste sistema de votação e sob o crivo da Justiça Eleitoral, insistem em achincalhar a própria institucionalidade através da qual justamente foram eleitos. Exemplos não faltam. E quem foi eleito a partir deste sistema, ataca o sistema que o elegeu. É algo curioso. Não fosse o bastante, eis que, boquiabertos, presenciamos as recentes investidas de um parlamentar federal gaúcho que, prestando um desserviço à República, lançou mão de um esboço de emenda constitucional cujo objeto tem por fim extinguir a Justiça Eleitoral. Logo um parlamentar sul-rio-grandense! A um ano das próximas eleições gerais, então, é que desponta como dever nosso trazer algumas rápidas palavras em defesa da Justiça Eleitoral brasileira, instituição encarregada da administração das eleições e garantidora da legitimidade dos processos eleitorais tupiniquins – dever como advogado eleitoralista, como (projeto de…) professor e acadêmico, como cidadão e como democrata.
A Justiça Eleitoral brasileira remonta aos idos da década de 1930, cuja criação, consagrada a partir do Código Eleitoral de 1932, sobreveio em um momento histórico no qual os processos eleitorais eram permeados por fraudes de toda a ordem. O grande pensador brasileiro responsável pela instituição da Justiça Eleitoral foi realmente Assis Brasil, cujo histórico castelo felizmente ainda se encontra de pé em Pedras Altas. Além de ter sido o principal membro da Subcomissão responsável pela redação do Código Eleitoral de 1932, o gaúcho redigiu duas importantes obras para o Direito Eleitoral. Seu livro Democracia representativa: do voto e do modo de votar (1931) tornou-se um clássico no Direito Eleitoral brasileiro, embora o autor não tenha se dedicado exatamente a escrever sobre a criação da Justiça Eleitoral. No segundo livro, Do Governo Presidencial na Republica Brasileira (1934), a outra grande obra do autor, Assis Brasil disse que o Brasil foi primeiro país no mundo a fazer um Código Eleitoral e a tornar a Justiça independente do poder Executivo. Além disso, afirmou que os juízes são, em parte, os verdadeiros interessados pela justa representação, por isso deve-se delegar à Justiça Eleitoral a direção de todo o processo eleitoral. Para ele, por ser a Justiça independente do poder político, ela é a melhor força para se controlar quem entra e quem sai desse poder.
Eleições livres, autênticas e equitativas (free and fair elections) têm um propósito principal: a renovação legítima e periódica da representação popular. E os resultados das eleições devem ser objetivos e precisos. A Justiça Eleitoral brasileira, nesse cenário, a partir dos seus magistrados e dos seus valorosos servidores, surge e se consolida justamente para harmonizar a relação entre a soberania popular e a representação, sendo responsável pela administração dos processos eleitorais e pelo controle dos excessos dos agentes eleitorais no curso das campanhas e, com isso, para garantir que o voto dado foi o voto computado e, no mais, que os vitoriosos assim sejam consagrados com e a partir da observância das boas práticas eleitorais.
A esse respeito, veio em boa hora à ilustrada nota redigida e assinada pelo Desembargador Armínio José Abreu Lima da Rosa, Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do RS, magistrado exemplar e homem público dos mais cultos e preparados. Trazendo luzes à história, assim como ao grande serviço público prestado por esta agigantada instituição, a nota subscrita pelo Desembargador, condensando firme contraponto aos discursos negacionistas de hoje, consignou que a Justiça Eleitoral brasileira “não é composta por urnas eletrônicas, mas sim por servidores públicos que dedicam suas vidas à efetivação da democracia brasileira por meio de eleições íntegras, reconhecidas internacionalmente”. Com razão, pois, Sua Excelência! Tratou-se, aliás, de uma das poucas manifestações públicas que, com justa e merecida profundidade, fez consideração ao corpo de servidores. Bravo, Presidente Armínio! Pelo conteúdo e nobreza do ato.
Atacar a instituição do Judiciário Eleitoral e o respectivo serviço público de relevo é ignorar que se trata do “fiel da balança” da democracia nacional. É ignorar que, sem a Justiça Eleitoral, a administração dos processos eleitorais estaria nas mãos dos principais interessados no resultado das contendas. E, mais do que isso, é ignorar os relevantes préstimos que a instituição entrega à República Federativa do Brasil. Não podemos admitir tais práticas, portanto. E estaremos prontos para agir em socorro da instituição sem qualquer assombro, afinal, o que está em jogo não são interesses particulares, mas, sim, algo que nos é muito caro, ou seja, a higidez dos nossos processos eleitorais e, por via de consequência, a sorte da democracia eleitoral brasileira.

Comentários do Facebook