TRANSIÇÃO ENERGÉTICA

Presidente do Sindicato dos Mineiros de Candiota conhece realidade da extração de carvão na América Latina

Hermelindo Ferreira relata que o Brasil está muito a frente na questão ambiental e também da relação trabalhista. A viagem faz parte de um debate e estudo proposto pelo Dieese

Reunião com o Sindicato dos Petroleiros do México Foto: Divulgação TP

O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) desenvolve um debate e um estudo em relação à indústria do carvão mineral no Brasil. O foco é a questão do trabalho e os reflexos para os trabalhadores de uma transição nos locais onde existe a atividade.

Recentemente, em Porto Alegre, o Dieese promoveu, como mais uma etapa do processo, o Seminário Internacional ‘Trabalho e Meio Ambiente: caminhos para uma transição energética justa no Brasil’.

Avançando, no início deste mês de setembro, um grupo de sindicalistas, entre eles, o presidente do Sindicato dos Mineiros de Candiota, Hermelindo Ferreira, realizou uma viagem para o México, a Colômbia e o Chile, no sentido de conhecer a realidade da indústria carbonífera nesses países e como eles estão lidando com a questão, especialmente da onde descarbonização mundial proposta em tratados ambientais internacionais.

Além de Hermelindo, a comitiva foi formada pelo presidente da Federação Interestadual dos Mineiros, Genoir Santos (Foquinha); pelo diretor de Patrimônio do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Energia Elétrica do Sul do Estado de Santa Catarina (SINTRESC), Gisan Vitória da Costa; pelo secretário nacional de Meio Ambiente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Daniel Machado Gaio; pelo economista do Dieese, Nelson de Chueri Karam e que coordena estudos e pesquisas sobre trabalho e meio ambiente e pela também economista do Dieese, Renata Belzunces.

Hermelindo esteve no TP na última semana, quando fez um relato da experiência. A principal conclusão tirada por ele, é que a transição é algo irreversível. “A percepção geral é que a indústria do carvão está muito ameaçada e que é preciso pensar em resistência para o prolongamento o máximo possível da atividade, concomitante com uma transição”, assinala.
Outra constatação, muito mais que uma impressão, segundo Hermelindo, é que o Brasil está muito a frente dos demais países da América Latina em termos de cuidados com o meio ambiente, mas fundamentalmente sobre o mundo do trabalho e suas relações.

MÉXICO– A viagem teve início pela Cidade do México, a capital mexicana, no dia 3 de setembro. Conforme Hermelindo, a exploração de carvão por lá é muito diferente daqui, onde há uma série de possibilidade, desde a organização familiar para a exploração de minas de pequeno porte até grandes empresas. “Lá a mineração é pulverizada, com regulamentação precária”, destacou, lembrando que atualmente 73,3% da geração de eletricidade no país depende de combustíveis fósseis (gás natural, petróleo, carvão e diesel).
Essencialmente o carvão é explorado no norte do país, na fronteira com os Estados Unidos e uma visita a esses locais ficou impossibilitada por uma questão de segurança, pois a região é muito conflituosa.

Hermelindo ressaltou que a melhor conversa no México foi com o Sindicato dos Petroleiros, que também vivem apreensão em relação ao uso do petróleo, que é um combustível fóssil, assim como o carvão. Os petroleiros criticam a transição que está sendo feita no país.

Mina de carvão em La Jagua de Ibirico (Colômbia) – local que é o segundo maior produtor de carvão do país, com uma produção de 18 bilhões de toneladas por ano Foto: Divulgação TP

COLÔMBIA – O desembarque em Bogotá, capital da Colômbia, foi no dia 7 de setembro. O país é que possui as maiores jazidas e aonde o carvão tem maior atividade na América Latina. A matriz energética colombiana é formada basicamente por fósseis, com petróleo (38%), gás natural (25%), carvão (13%) e a energia hidrelétrica com apenas 12%. O carvão de lá é infinitamente de maior qualidade que o brasileiro, sendo exportado em larga escala, inclusive para a indústria brasileira (carvão siderúrgico) e também para usinas no norte do Brasil (10 bilhões de toneladas anuais). “O carvão colombiano não é folheado como o nosso, é uma massa única, com alto poder calorífico”, explica Hermelindo.

De Bogotá, a comitiva foi até a região de La Jagua de Ibiricó, município de pouco mais de 21 mil habitantes e o segundo maior produtor de carvão do país. Conforme o sindicalista candiotense, a exploração do carvão é toda feita por empresas multinacionais e há muito precariedade ambiental e de relação trabalhista. Há muito índice de mortalidade de trabalhadores nas minas de carvão, que chegam ter 500 metros de profundidade a céu aberto. “Esses locais não têm recuperação ambiental, há contaminação de águas e muito pó. O bota-fora (local de depósito de rejeitos da mineração) são chamados de lixões – tamanho é a falta de cuidados”, revela Hermelindo.

A questão sindical e a relação trabalhista também é precária, conforme ele, sendo que a recomendação quando eles realizaram a visita, por motivos de segurança, não falarem que eram sindicalistas. “Naquela semana haviam assassinado um líder sindical na região”, conta.

Sobre a transição energética há muita apreensão, sendo que a partir do anúncio da saída da principal multinacional, conforme reportagem do jornal La Silla Vacía, os níveis de atividade econômica da cidade caíram.

Hermelindo assinalou que no Brasil as legislações ambiental e trabalhista são muito rígidas, os acordos coletivos com o Sindicato são respeitados, há salários razoáveis, vale-alimentação, plano de saúde, entre outras conquistas. “Lá, as multinacionais ditam todas as regras e nem mesmo o governo entra nas minas para fiscalizações”, revela Hermelindo, que destacou que os mineiros colombianos estão muito otimistas em relação ao novo governo Gustavo Petro, que tem manifestado interesse em mudar a relação com as empresas transnacionais.

Reunião no Ministério do Trabalho e Previdência Social Chile Foto: Divulgação TP

CHILE – O Chile não possui mais reservas de carvão mineral. Lá foram fechadas 18 usinas a carvão por conta do esgotamento da fonte. De acordo com Hermelindo, o que existe são usinas localizadas nos portos e abastecidas por carvão colombiano.

Também no Chile foram realizadas importantes visitas como no Ministério do Trabalho e Previdência Social do Chile, onde foram recepcionados pelo chefe de Gabinete da ministra Jeanette Jara, que fez uma explanação das relações do trabalho dos mineiros chilenos, ressaltando em suas observações que “o meio ambiente é um cartão postal, mas nesse contexto tem que ser visualizado o trabalhador” e que segundo o sindicalista candiotense, esta é uma visão que precisa ter entendimento pelos ambientalistas.

Reunião com a Cepal no Chile Foto: Divulgação TP

FASE C – Na última agenda no Chile, a comitiva foi recebida na Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), que um organismo das Nações Unidas (ONU). Hermelindo destacou que a conversa foi muito proveitosa, em especial com o coordenador nacional da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), Luiz Fernando Krieger, que é brasileiro e se comprometeu em levar ao diretor geral da CEPAL, portanto a ONU, o assunto da Usina de Candiota (CGT Eletrobras) e as incertezas com o final dos contratos em 2024. “Solicitamos apoio desta importante instituição, pois são 5 mil empregos diretos e indiretos que deixarão de existir caso não haja solução na renovação destes contratos”, frisou

TRANSIÇÃO – Em sua conclusão sobre o que viu e ouviu durante a missão, Hermelindo assinala que a continuidade do uso do mineral representa um potencial de segurança energética. “Temos no Rio Grande do Sul 89% das reservas nacionais de carvão que representa 200 anos de extração aos níveis atuais de mineração. Compreendemos que a transição energética de combustíveis fósseis para fontes renováveis de energia de modo a combater as mudanças climáticas é necessária, mas entendemos que essa transição deve ser realizada a longo prazo e ainda é possível que o mineral continue sendo usado, com o desenvolvimento de tecnologias para reduzir a poluição gerada por ele”, enfatiza.

* Originalmente este conteúdo foi publicado no jornal impresso

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