PEDIDO DO MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE

Presidente Temer pode vetar modernização das térmicas a carvão

Há incompreensão dos técnicos tanto do Meio Ambiente como do Ibama, de que a modernização servirá justamente para diminuir as emissões de CO2. Chamaram a medida de contrabando legislativo

Se sancionada a medida, fases A e B da Usina de Candiota serão beneficiadas

Se sancionada a medida, fases A e B da Usina de Candiota serão beneficiadas Foto: J.André TP

O ministro do Meio Ambiente (MMA), José Sarney Filho, recomendou ao Planalto que vete o artigo que trata da modernização do parque gerador movido a carvão mineral, incluído na Medida Provisória 735, que trata sobre as privatizações do setor elétrico e foi aprovada recentemente tanto pela Câmara como pelo Senado Federal e que, se sancionada pelo presidente Michel Temer (PMDB), beneficia diretamente a Usina de Candiota em suas fases A e B.

Segundo o jornal Valor Econômico, que conseguiu com exclusividade a nota técnica emitida pelo Ministério de Meio Ambiente, mesmo o carvão tendo participação na matriz energética brasileira pouco relevante, cerca de 2%, os técnicos consideram que “as suas emissões de gases de efeito estufa são expressivas”.

Sarney Filho alega “razões de inconstitucionalidade” no documento enviado em caráter de urgência, em 20 de outubro, a Mariangela Fialek, subchefe de assuntos parlamentares da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República. O argumento do Ministério do Meio Ambiente é que direitos humanos não podem sofrer retrocessos, baseado em análises técnicas do Ibama e do próprio Ministério. Há aspectos processuais. Os ambientalistas dizem que o artigo 20 foi escrito por encomenda do lobby carvoeiro do Sul. O artigo entrou como “contrabando legislativo”, afirma o ofício encaminhado à Presidência.

O Senado aprovou a MP no dia 19 de outubro e o presidente Michel Temer tem 14 dias para sancioná-la. O artigo fala na modernização do parque termelétrico para implantar novas usinas movidas a carvão mineral entre 2023 e 2027.

Ainda, o documento ministerial lembra que o Brasil possui grandes reservas de carvão no Sul do país, entretanto o trata como de baixa qualidade e elevado teor de cinzas e impurezas.
A sugestão de veto está em sintonia com a transição da matriz energética baseada em fontes renováveis e nos compromissos brasileiros com o Acordo de Paris, alega o ministro Sarney Filho.
O parecer do corpo técnico do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) lembra a preocupação da Organização Mundial de Saúde (OMS) com a perda de sete milhões de vidas ao ano provocadas pela poluição do ar. “O carvão é uma das formas de produção de energia mais agressivas ao meio ambiente”, dizem os técnicos do Ibama – mesmo órgão que já emitiu as licenças ambientais prévia e de instalação (LP e LI) da UTE Pampa Sul, em Candiota (usina em construção) e LP da UTE Ouro Negro – projeto que prevê a construção de uma usina de 600MW na divisa entre Candiota e Pedras Altas.

 

“A ocupação do solo exigida pela exploração das jazidas, por exemplo, interfere na vida da população, nos recursos hídricos, na flora e fauna locais, ao provocar barulho, poeira e erosão”, segue o ofício. O efeito mais severo, aponta, são emissões de nitrogênio e CO2.

Por fim, ele rogam a incompatibilidade com a Constituição a apresentação de emendas sem relação de pertinência temática com medida provisória submetida a sua apreciação.

Associação do Carvão contesta argumentos

Em longo artigo publicado no Canal Energia, o presidente da Associação Brasileira do Carvão Mineral (ABCM), Fernando Zancan, contra-ataca os argumentos do Ministério de Meio Ambiente. “A MP 735/16 foi editada para reduzir o uso de recursos da Conta de Desenvolvimento Energético. A CDE é usada para pagar o combustível das usinas do atual parque térmico a carvão. A MP além de fixar um teto para o desembolso para o carvão ela cria no seu artigo 20 um programa de modernização que viabilizará a renovação do atual parque termelétrico a carvão nacional. O atual parque termelétrico a carvão nacional tem uma idade média de 38 anos e uma eficiência de 29%. A proposta do artigo 20 é renovar 1.400 MW dos 1.750 MW existentes, fazendo com que o novo parque tenha no mínimo 36% de eficiência o que ocasionará no mínimo uma redução de 10% nas emissões de CO2/MWh em relação ao parque atual. Com a entrada em operação de novas usinas sem o uso da CDE, já partir de 2023, teremos uma redução da CDE com a desativação das usinas antigas. Portanto o artigo 20 é pertinente e não algo alheio ao objetivo da MP735/16”.

Para Zancan, as emissões de CO2 do parque instalado de carvão 3.205 MW, sendo 1.750 MW de carvão nacional, representou em 2010 apenas 3,64% da geração de energia e 1,08% das emissões totais do Brasil. “Nos estudos da EPE que baseou as NDCS, em 2030 está previsto que o carvão emitirá cerca de 40 milhões de toneladas de CO2, ou seja 0,6% das emissões referentes a energia. O total de 4 mil MW de carvão seria 1,4% da capacidade instalada já está considerado na matriz elétrica definida para atingir a proposta indicativa de redução das emissões apresentadas pelo Brasil na COP 21. No âmbito da energia, o Brasil já possui uma das matrizes mais renováveis do mundo, com aproximadamente 75% de fontes renováveis na oferta de energia elétrica, e cerca de 45% da sua matriz energética renovável (três vezes superior à média mundial). Por outro lado, a NDC do Brasil aplica-se ao conjunto da economia e, portanto, baseia-se em caminhos flexíveis para atingir os objetivos de 2025 e 2030. Portanto não podemos excluir nenhuma fonte de energia da matriz energética brasileira por conta das NDCs, principalmente as fontes despacháveis com menor custo. Em outras palavras, o objetivo de reduzir as emissões pode ocorrer de muitas maneiras, por exemplo reduzindo as emissões do setor transporte que hoje representam cerca de 46% das emissões de energia. Como referência e relatividade, as emissões de energia da China em 2013 foram 8,2 bilhões t/CO2, o Japão 1,2 bilhões t/CO2 e no Brasil emitimos 440 milhões de toneladas. Portanto o Programa de Modernização não vai contra o Acordo de Paris, pelo contrário é uma real opção de mitigação”, afirma.

Se o artigo 20 não for efetivado, em 2027, com o fim da CDE, conforme o dirigente do setor carbinífero, será desativado 1.400 MW dos 1.750 MW, ou seja 80%. “Acabaremos com a mineração subterrânea no Brasil, afetando negativamente a cadeia produtiva com 53 mil empregos nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Municípios que tem sua economia baseada em carvão serão sacrificados, deixando de movimentar R$ 12 bilhões por ano na economia das regiões carboníferas. Perderíamos o investimento novo, que tanto o Governo busca, de 5 bilhões de dólares, que movimentarão 43 bilhões em 10 anos na economia do RS e SC. Deixaríamos de gerar milhares de empregos na região Sul – cada usina na construção gera 3 mil empregos.  Tão importante quanto a questão econômica e social é a garantia de suprimento de energia. Iriamos colocar em risco o abastecimento de energia dos estados do Sul, visto que a energia eólica e os pequenos reservatórios não garantem a necessária segurança energética pela sua intermitência. Aliás o Brasil crescendo, precisará de mais energia e desativar o parque termelétrico do Sul não dará garantia para novos investimentos em outras atividades econômicas para o sul do Brasil, por falta de segurança energética”.

Para ele, o momento que ora vivemos com essa discussão, poderá mostrar o poder do ideologismo na definição de políticas públicas no Brasil. “Usando meias verdades e informações distorcidas não é possível haver uma discussão séria sobre o que a Sociedade quer. Grupos mais articulados, defendendo interesses nem sempre transparentes, tem levado a tomada de decisões no setor de energia. Como vamos atender a demanda de energia de um pais com uma demanda per capita de 2.500 kwh/ano, metade de Portugal, e que necessita crescer e distribuir renda, se não podemos construir usinas hidráulicas com reservatórios adequados e não construir usinas térmicas a carvão e gás? Creio que seja necessário discutir a matriz energética brasileira de uma forma técnica e transparente para que o ideologismo não impere e que sejam definidas políticas claras, com visão de longo prazo e sustentável”, afirma.

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