HABITAÇÃO

Processo de venda de imóveis pertencentes à CGT Eletrosul em Candiota gera apreensão

A estatal já contratou um leiloeiro para organizar a venda neste segundo semestre de 2021. São mais de 410 imóveis que vão a leilão em Candiota, avaliados em cerca de R$ 100 milhões Foto: J.André TP

Há muito tempo que os moradores dos imóveis que ainda pertencem à CGT Eletrosul na Vila Residencial aguardam para poderem adquiri-los. Na última semana começou a circular em grupos de WhatsApp, a publicação de uma licitação divulgada para a contratação de um leiloeiro para organizar o processo de comercialização dos imóveis da companhia em Candiota e também de São Jerônimo.

O fato gerou muita apreensão, pois como o edital de licitação era do fim do mês de março e a abertura dos envelopes das propostas foi no início de maio, o processo já estava em andamento e o leiloeiro contratado, sem se saber em quais condições os imóveis seriam comercializados.

UM POUCO DE HISTÓRIA – Já em meados da década de 1950, a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), que estava construindo a Usina Candiota I, na Vila Residencial, também tomava inciativa de construir moradias para abrigar os funcionários da obra e também da futura indústria de energia, que foi inaugurada em dezembro de 1961 pelo então governador Leonel Brizola e pelo presidente da República, João Goulart (Jango).

Vista aérea da Vila Residencial da década de 1960 Foto: Acervo Cláudio Greco/Especial TP

Já no início da década de 1970, uma nova leva de imóveis foi erguido pela CEEE na parte alta da Vila Residencial, incluindo residências, clube, praça, supermercado (cooperativa) e o hospital, já com vistas a nova Usina que era construída, tendo sido inaugurada em 1974 (Fase A).
No fim da década de 1970, já com vistas a ampliação da Usina de Candiota (Fase B), a CEEE deu início a construção da Vila Operária – um bairro residencial distante 13km da Usina, às margens da BR-293, para abrigar os novos funcionários da futura unidade.

No ano de 1997, parte da CEEE foi privatizada e parte entregue à União em troca de dívidas, que foi o caso da Usina de Candiota e todo o seu patrimônio no município, tendo sido fundada então a Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE), que passou a fazer parte do grupo Eletrobras.

A partir de 2010, os imóveis da Vila Operária foram comercializados, tendo havido toda uma política facilitadora de negociação com as pessoas que ocupavam as residências na época, inclusive com a disponibilização de uma linha de crédito especial via Caixa Econômica Federal (CEF). O processo teve alguns atrasos, pois alguns moradores entraram com ações de usucapião, mas como se tratava de bens públicos, não prosperaram judicialmente.

Com alguns entraves, especialmente sobre as terras onde está localizada (uma parte pertencia a Coroa Inglesa, para se ter uma ideia do imbróglio), a Vila Residencial chegou a ser preparada para ser vendida nos mesmos moldes da Vila Operária, porém a troca de comando no governo federal em 2016, após o impeachment da presidente Dilma Rousseff, o procedimento foi paralisado.

Em 2020, a CGTEE entrou num processo de fusão com a Eletrosul, quando foi formada uma nova empresa, a Companhia de Geração e Transmissão de Energia Elétrica do Sul do Brasil (CGT Eletrosul), com sede em Florianópolis. Agora, de forma até surpreendente, a nova empresa retomou a ação, que foi batizada de desmobilização de imóveis.

ESCLARECIMENTO – No início desta semana, o TP procurou a assessoria de Comunicação da estatal para buscar esclarecimentos em relação ao assunto, que até então, a não ser as publicações dos editais de licitação, jamais havia sido tratado publicamente pela empresa.

Na tarde do último dia 16, a assessoria de Comunicação da CGT Eletrosul repassou ao jornal uma Nota de Esclarecimento, onde ela afirma, porém sem mais esclarecimentos, que os moradores terão preferência na compra, além de comunicar que um leiloeiro público oficial já havia sido contratado no último dia 11 de maio para preparar, organizar e conduzir os leilões de vendas dos imóveis em Candiota, que além da Vila Residencial, possuem alguns remanescentes da Vila Operária.

A NOTA – Confira a íntegra da nota enviada ao pela CGT Eletrosul: “Informamos que a CGT Eletrosul aprovou internamente a alienação dos imóveis residenciais de sua propriedade localizados na Vila Residencial e na Vila Operária, no município de Candiota (RS). Trata-se de medida necessária para a segurança jurídica tanto da Companhia como dos atuais ocupantes dos imóveis.Adicionalmente, esclarecemos que a CGT Eletrosul é uma empresa subsidiária da Eletrobras, a qual estabelece diretrizes a serem seguidas pelas controladas, por meio do Plano Diretor de Negócios e Gestão (PDNG). Em sua versão 2021-2025, umas das iniciativas estratégicas estabelecidas no documento diretivo trata da “Desmobilização de Imóveis”. Essa diretriz tem como objetivo viabilizar receitas oriundas de bens imóveis não relacionados diretamente às atividades de geração e transmissão, principalmente por meio de leilões, além de reduzir os custos operacionais referentes aos imóveis inservíveis ao objeto da Companhia.Para a alienação dos imóveis residenciais no município de Candiota, foi contratado Leiloeiro Público Oficial para a realização, incluindo a preparação, organização e condução, de Leilões Públicos, por meio de contrato assinado em 11 de maio de 2021. Os leilões deverão ocorrer no segundo semestre deste ano e os moradores terão direito de preferência na compra dos imóveis.Em relação às linhas de crédito para financiamento das casas, informamos que foram realizadas tratativas com a Prefeitura Municipal de Candiota para que esta busque junto às instituições financeiras mecanismos para auxílio aos moradores neste sentido”.

MOBILIZAÇÃO – Diante das poucas informações e também por se tratar de um assunto muito sensível, um grupo de moradores da Vila Residencial está mobilizado. Também, o assunto foi levado na última segunda-feira (14), para a sessão da Câmara, pela vereadora Luana Vais (PT), que é moradora da localidade. Na ocasião foi formada uma comissão externa formada por Luana, Danilo Gonçalves (PT) e a vereadora Hulda Alves (MDB). “Essa forma de leilão soa até autoritária. Há uma grande temeridade porque se aproxima a privatização da Eletrobras e esse processo pode ser atropelado. Queremos condições para adquirir as casas com dignidade”, assinalou Luana.

Na noite desta quinta-feira (17), a comissão dos moradores se reuniu virtualmente, deliberando se reunir com o Executivo e com o Legislativo local. Segundo informaram, a ideia é unir esforços e chegar até a direção da empresa.

APREENSÃO – Morador há 58 anos da Vila Residencial, o eletricitário aposentado André Maurente vive uma certa apreensão. Ele disse que tem interesse em comprar o imóvel onde mora com a família há quase seis décadas, mas não sabe como vai se dar a situação. “Cada um está falando uma coisa e sabemos que tudo depende de dinheiro. Temos interesse, mas qual será o valor e as condições?”, questiona.

André Maurente mora há 58 anos na Vila Residencial Foto: J.André TP

A professora Sandra Blois, moradora há 30 anos da localidade e que faz parte da comissão de moradores que está tratando do assunto, disse que a situação pegou todos de surpresa. Ela lembra que este processo de aquisição sempre foi esperado por todos, mas se imaginava algo como o ocorrido na Vila Operária, com condições favoráveis, financiamento, parcelamento, preços justos. “O que nos chega é que será um leilão. Estamos chocados, pois sempre esperamos comprar e hoje nos deparamos com esta realidade que não se sabe o que vai ser. Já temos relatos de pessoas que estão perdendo noites de sono em função desta situação e é algo que nos deixa muito apreensivos”, relatou.

Filha de eletricitário, portanto já da segunda geração em Candiota, Fernanda de Lima Morocini está há 21 anos residindo na Vila Residencial. Ela dá um depoimento até certo ponto emocionado de sua relação com a localidade. “Nós da Residencial somos uma comunidade criada em função da Usina. Somos funcionários, ex-funcionários, filhos e netos deste lugar. Construímos nossas vidas aqui, com a prosperidade daqui, mas também com muito esforço, inclusive mantendo este lugar, que já fora construído a mais de 50 anos, e ainda está de pé pela nossa habitação, pela nossa força viva e trabalhadora. E agora, nossa preocupação é essa implantação deste capitalismo voraz que está sendo, com essa função de leiloar, em leilão aberto, quase não nos dando chance, isso é um monopólio da exploração imobiliária. Diante disso queremos trazer o máximo de opções e direitos, simplesmente para que a gente possa adquirir um bem que nos é muito valioso. São vidas, são lembranças, somos nós, e isso importa”, assinala.

Fernanda tem laços afetivos com a localidade em que reside há 21 anos Foto: J.André TP

PREFEITURA – Citada pela CGT Eletrosul em sua nota como sendo a possível responsável em buscar as linhas de crédito, a Prefeitura de Candiota se manifestou por meio do prefeito Luiz Carlos Folador, que falou com o TP.

Folador disse que em recente reunião com a diretoria da empresa em Florianópolis, a Prefeitura solicitou a doação dos chalés (casas de madeira) das Vilas Operária e Residencial (incluindo os da rua Jean Carlos Stafutt- a chamada Residencial 2). Conforme Folador, a ideia é que esses imóveis passem para a Prefeitura e depois sejam doados aos moradores de baixa renda, mediante lei municipal.

Sobre as linhas de crédito, Folador disse que a CGT Eletrosul fez uma sugestão à Prefeitura e nada a mais que isso. O prefeito defende a venda dos imóveis para os atuais moradores em primeiro lugar. “Este é um tema sensível e talvez em meio a uma pandemia não deveria nem ser tratado”, disse o prefeito.

VALORES – No site Portal de Compras do Governo Federal (Comprasnet) foram disponibilizados os valores de mercado de cada um dos imóveis que serão leiloados em Candiota. São 135 imóveis na Vila Operária, avaliados num total de R$ 28,6 milhões e 276 imóveis na Vila Residencial, avaliados em R$ 70 milhões.

Estas planilhas, que já estão circulando entre os moradores, também assustaram em função dos valores de cada imóvel. As casas de alvenaria da Vila Residencial estão avaliadas, dependendo do tamanho e benfeitorias, entre R$ 170 mil e R$ 400 mil.

Acesse aqui as planilhas: Imóveis da Vila Residencial e Imóveis da Vila Operária.

MAIS INFORMAÇÕES – O TP enviou e-mail com uma série de questionamentos para a CGT Eletrosul, porém até o fechamento desta edição não havia retorno.

 

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